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quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Cruz na Porta da Tabacaria

Cruz na porta da tabacaria!
Quem morreu? O próprio Alves? Dou
Ao diabo o bem-estar que trazia.
Desde ontem a cidade mudou.

Quem era? Ora, era quem eu via.
Todos os dias o via. Estou
Agora sem essa monotonia.
Desde ontem a cidade mudou.

Ele era o dono da tabacaria.
Um ponto de referência de quem sou
Eu passava ali de noite e de dia.
Desde ontem a cidade mudou.

Meu coração tem pouca alegria,
E isto diz que é morte aquilo onde estou.
Horror fechado da tabacaria!
Desde ontem a cidade mudou.

Mas ao menos a ele alguém o via,
Ele era fixo, eu, o que vou,
Se morrer, não falto, e ninguém diria.
Desde ontem a cidade mudou.

Álvaro de Campos, in "Poemas"

Tabacaria


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da Tabacaria sorriu.

Álvaro de Campos, in Poemas





A linguagem é muito mais moderada do que nas fases anteriores. Campos assume-se agora como um poeta plenamente desiludido com a vida, e muitos dos seus poemas - como Tabacaria - ganham um ritmo deliberadamente lento e retrospetivo,
 
O tema do poema é a dimensão da solidão interior face à vastidão do Universo exterior. A Tabacaria acaba por ser um símbolo que não tem valor próprio - verdadeiramente importante é que esse símbolo faz nascer em Campos a necessidade de analisar a sua própria existência face à existência da Tabacaria enquanto coisa fixa e real.


terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Todas as cartas de amor são ridículas

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Álvaro de Campos, in Poemas




Lisbon Revisited 1926


Nada me prende a nada.
Quero cinqüenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja -
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.

Fecharam-me todas as portas abstratas e necessárias.
Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o número da porta que me deram.

Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta - até essa vida...

Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.
Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;
Não sei que ilhas do sul impossível aguardam-me naufrago;
ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.

Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma...
E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,
Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa
(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas),
Nas estradas e atalhos das florestas longínquas
Onde supus o meu ser,
Fogem desmantelados, últimos restos
Da ilusão final,
Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido,
As minhas cortes por existir, esfaceladas em Deus.

Outra vez te revejo,
Cidade da minha infância pavorosamente perdida...
Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...
Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei,
E aqui tornei a voltar, e a voltar.
E aqui de novo tornei a voltar?
Ou somos todos os Eu que estive aqui ou estiveram,
Uma série de contas-entes ligados por um fio-memória,
Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim?

Outra vez te revejo,
Com o coração mais longínquo, a alma menos minha.

Outra vez te revejo - Lisboa e Tejo e tudo -,
Transeunte inútil de ti e de mim,
Estrangeiro aqui como em toda a parte,
Casual na vida como na alma,
Fantasma a errar em salas de recordações,
Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem
No castelo maldito de ter que viver...

Outra vez te revejo,
Sombra que passa através das sombras, e brilha
Um momento a uma luz fúnebre desconhecida,
E entra na noite como um rastro de barco se perde
Na água que deixa de se ouvir...

Outra vez te revejo,
Mas, ai, a mim não me revejo!
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim -
Um bocado de ti e de mim!...

Álvaro de Campos, in  Poemas





O tema deste poema é o eu do sujeito lírico, frustrado e desiludido de tudo, que se revê na sua cidade, tão fantasma como ele.  Crise de identidade.

No poema Lisbon Revisited (1926), o espaço relaciona-se com o itinerário interior. O olhar que avista a cidade é filtrado pela subjetividade de um eu que, apesar de revisitá-la, não se encontra mais nela. Mais uma vez a infância aparece como um outrora privilegiado, fissura do eu que tem no agora a solidão, o cansaço e o tédio como determinantes.

O poema estabelece um diálogo de tensão e ruptura,

Poema da terceira fase de Álvaro de Campos, é o regresso à abulia, ao tédio, à nostalgia de um bem perdido. Melancólico, devaneador, desiludido, cosmopolita, Campos aproxima-se da poética de Pessoa ortónimo no cepticismo, nas saudades da infância, na dúvida quanto à sua identidade, na fragmentação do eu.








sábado, 5 de dezembro de 2015

As várias pessoas de Pessoa

01. Dr. Pancracio - jornalista de A PALAVRA e de O PALRADOR, contista, poeta e charadista.
02. Luís António Congo - colaborador de O PALRADOR, cronista e apresentador de Eduardo Lança.
03. Eduardo Lança - colaborador de o PALRADOR, poeta luso-brasileiro.
04. A. Francisco de Paula Angard - colaborador de o PALRADOR, autor de «textos scientificos».
05. Pedro da Silva Salles (Pad Zé) - colaborador de o PALRADOR, autor e director da secção de anedotas.
06. José Rodrigues do Valle (Scicio), - colaborador de o PALRADOR, charadista e dito «director literário».
07. Pip - colaborador de o PALRADOR, poeta humorístico, autor de anedotas e charadas, predecessor neste domínio do Dr. Pancracio.
08. Dr. Caloiro - colaborador de o PALRADOR, jornalista-repórter de «A pesca das pérolas».
09. Morris & Theodor - colaborador de o PALRADOR, charadista.
10. Diabo Azul - colaborador de o PALRADOR, charadista.
11. Parry - colaborador de o PALRADOR, charadista.
12. Gallião Pequeno - colaborador de o PALRADOR, charadista.
13. Accursio Urbano - colaborador de o PALRADOR, charadista
14. Cecília - colaborador de o PALRADOR, charadista.
15. José Rasteiro - colaborador de o PALRADOR, autor de provérbios e adivinhas.
16. Tagus - colaborador no NATAL MERCURY (Durban).
17. Adolph Moscow - colaborador de o PALRADOR, romancista, autor de «Os Rapazes de Barrowby».
18. Marvell Kisch autor de um romance anunciado em O PALRADOR, («A Riqueza de um Doido»).
19. Gabriel Keene - autor de um romance anunciado em O PALRADOR, («Em Dias de Perigo»).
20. Sableton-Kay - autor de um romance anunciado em O PALRADOR, («A Lucta Aerea»).
21.Dr. Gaudêncio Nabos - director de O PALRADOR (3.ª série), jornalista e humorista anglo-português).
22. Nympha Negra - colaborador de O PALRADOR, charadista.
23. Professor Trochee - autor de um ensaio humorístico de conselhos aos jovens poetas.
24. David Merrick - poeta, contista e dramaturgo.
25. Lucas Merrick - contista (irmão de David?).
26. Willyam Links Esk - personagem de ficção que assina uma carta num inglês defeituoso (13/4/1905).
27. Charles Robert Anon - poeta, filósofo e contista.
28. Horace James Faber - ensaísta e contista.
29. Navas - tradutor de Horace J. Faber.
30. Alexander Search - poeta e contista.
31. Charles James Search - tradutor e ensaísta (irmão de Alexander).
32. Herr Prosit - tradutor de O Estudante de Salamanca de Espronceda.
33. Jean Seul de Méluret - poeta e ensaísta em francês.
34. Pantaleão - poeta e prosador.
35. Torquato Mendes Fonseca da Cunha Rey - autor (falecido) de um escrito sem título que Pantaleão decide publicar.
36. Gomes Pipa - anunciado como colaborador de O PHOSPHORO e da Empresa Íbis como autor de «Contos políticos».
37. Íbis - personagem da infância que acompanha Pessoa até ao fim da vida nas relações com os seus íntimos que sobretudo se exprimiu de viva voz, mas também assinou poemas.
38. Joaquim Moura Costa - poeta satírico, militante republicano, colaborador de O PHOSPHORO.
39. Faustino Antunes (A. Moreira) - psicólogo, autor de um «Ensaio sobre a Intuição»).
40. António Gomes - «licenciado em philosophia pela Universidade dos Inúteis», autor da «Historia Cómica do Çapateiro Affonso».
41. Vicente Guedes - tradutor, poeta, contista da Íbis, autor de um diário.
42. Gervásio Guedes - (irmão de Vicente?) autor de um texto anunciado, «A Coroação de Jorge Quinto», em tempos de O PHOSPHORO e da Empresa Íbis.
43. Carlos Otto - poeta e autor do «Tratado de Lucta Livre».
44. Miguel Otto - irmão provável de Carlos a quem teria sido passada a incumbência da tradução do «Tratado de Lucta Livre».
45. Frederick Wyatt - poeta e prosador em inglês.
46. Rev. Walter Wyatt - irmão clérigo de Frederick?
47. Alfred Wyatt - mais um irmão Wyatt, residente em Paris.
48. Bernardo Soares - poeta e prosador.
49. António Mora - filósofo e sociólogo, teórico do Neopaganismo.
50. Sher Henay - compilador e prefaciador de uma antologia sensacionalista em inglês.
51. Ricardo Reis - HETERÓNIMO.
52. Alberto Caeiro - HETERÓNIMO.
53. Álvaro de Campos - HETERÓNIMO.
54. Barão de Teive - prosador, autor de «Educação do Stoico» e «Daphnis e Chloe».
55. Maria José - escreve e assina «A Carta da Corcunda para o Serralheiro».
56. Abílio Quaresma - personagem de Pêro Botelho e autor de contos policiais.
57. Pero Botelho - contista e autor de cartas.
58. Efbeedee Pasha - autor de «Stories» humorísticas.
59. Thomas Crosse - inglês de pendor épico-ocultista, divulgador da cultura portuguesa.
60. I.I. Crosse - coadjuvante do irmão Thomas na divulgação de Campos e Caeiro.
61. A.A. Crosse - charadista e cruzadista.
62. António de Seabra - crítico literário do sensacionismo.
63. Frederico Reis - ensaísta, irmão (ou primo?) de Ricardo Reis sobre quem escreve.
64. Diniz da Silva - autor do poema «Loucura» e colaborador de EUROPA.
65. Coelho Pacheco - poeta in ORPHEU III e na revista projectada EUROPA.
66. Raphael Baldaya - astrólogo e autor de «Tratado da Negação» e «Princípios de Metaphysica Esotérica».
67. Claude Pasteur - francês, tradutor de CADERNOS DE RECONSTRUÇÃO PAGÃ dirigidos por A. Mora.
68. João Craveiro - jornalista sidonista.
69. Henry More - autor em prosa de comunicações mediúnicas - «romances do inconsciente» como Pessoa lhes chama.
70. Wardour - poeta revelado em comunicações mediúnicas.
71. J. M. Hyslop - poeta revelado em comunicação mediúnica.
72. Vadooisf [?] - poeta revelado em comunicação mediúnica.”

Ultimatum dito por Maria Bethânia


Campos fala dos outros heterónimos

Meu mestre, meu mestre, perdido tão cedo! Revejo-o na sombra que sou em mim, na memória que conservo do que sou de morto...

Foi durante a nossa primeira conversa. Como foi não sei, e ele disse: «Está aqui um rapaz Ricardo Reis que há-de gostar de conhecer: ele é muito diferente de si». E depois acrescentou, «tudo é diferente de nós, e por isso é que tudo existe».

Esta frase, dita como se fosse um axioma da terra, seduziu-me com um abalo, como o de todas as primeiras posses, que me entrou nos alicerces da alma. Mas, ao contrário da sedução material, o efeito em mim foi de receber de repente, em todas as minhas sensações, uma virgindade que não tinha tido.

Diz Alberto Caeiro- Toda a coisa que vemos, devemos vê-la sempre pela primeira vez, porque realmente é a primeira vez que a vemos. E então cada flor amarela é uma nova flor amarela, ainda que seja o que se chama a mesma de ontem. A gente não é já o mesmo nem a flor a mesma. O próprio amarelo não pode ser já o mesmo. É pena a gente não ter exactamente os olhos para saber isso, porque então éramos todos felizes».

O meu mestre Caeiro não era um pagão: era o paganismo. O Ricardo Reis é um pagão, o António Mora é um pagão, eu sou um pagão; o próprio Fernando Pessoa seria um pagão, se não fosse um novelo embrulhado para o lado de dentro. Mas o Ricardo Reis é um pagão por carácter, o António Mora é um pagão por inteligência, eu sou um pagão por revolta, isto é, por temperamento. Em Caeiro não havia explicação para o paganismo; havia consubstanciação.