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domingo, 30 de outubro de 2022

Mestre Caeiro

Mestre Caeiro
Caeiro é, como o próprio Pessoa o confessa na sua famosa carta a Adolfo Casais Monteiro sobre a génese da heteronímia - ``Aparecera em mim o meu mestre'' -, o mestre de todos os demais heterónimos e, inclusivé, do seu criador. Isto porque os textos poéticos que levam a assinatura de Alberto Caeiro têm, na obra pessoana, a finalidade de encarnar a essência do ``sensacionismo'', espécie de tese filosófico-estético-poética que serve de fundamento para toda a poesia de Pessoa.
Se tivermos em mente os três princípios básicos do "sensacionismo'', tal como Pessoa os formulou: "1. Todo objeto é uma sensação nossa; 2. Toda arte é a conversão de uma sensação em objeto;3. Portanto, toda arte é a conversão de uma sensação numa outra sensação.'' Podemos facilmente verificar, pela leitura dos poemas de Caeiro, que ele é, dentre os heterónimos, aquele que representa a postura mais radical face a esses postulados pessoanos: para o mestre, o que importa é vivenciar o mundo, sem peias e máscaras sígnicas, em toda a sua multiplicidade sensacionista. É por este motivo que, repetidamente, Caeiro, nos seus poemas, insiste naquilo que ele mesmo chama de "aprendizagem de desaprender'', ou seja, o homem deve aprender a não pensar, a silenciar a mente, libertando-se assim de todos os padrões, modelos, máscaras e pseudo-certezas ideológicas, culturais, sígnicas enfim, que desde cedo lhe foram impostas, para dedicar-se só e simplesmente à revolucionária e reveladora aventura do contato direto e sem mediações com a realidade concreta, palpável, que nos cerca e de que fazemos parte. A verdadeira vida para Caeiro reduz-se, deste modo, ao "puro sentir'', sendo o sentimento da "visão'' o mais relevante de todos, por ser o que nos coloca em relação mais estreita e integral com o mundo objetivo: "O essencial é saber ver, Saber ver sem estar a pensar, Saber ver quando se vê, E nem pensar quando se vê, Nem ver quando se pensa.'' Caeiro procurava, diariamente, exercitar o que ele mesmo chamou de a "perversa ciência de ver''. Em decorrência dessa sua postura face à vida e dessa prática sensacionista, nasce uma estranha poesia empenhada em fazer a crítica mais radical da linguagem, da cultura, das ideologias e, paradoxalmente, da própria atividade poética, via negação/rejeição/recusa de qualquer tipo de pensamento. A poesia de Caeiro é, neste sentido, uma curiosa poesia da anti-poesia, feita com o objetivo específico de pôr em xeque todas as máscaras sígnicas (palavras, conceitos, pensamentos, ideologias, religiões, arte) com que estamos habituados a "vestir'' a realidade, esquecidos de que ela simplesmente "é'' e vale por si mesma, e de que a única experiência que vale a pena é a de uma espécie de silêncio sígnico total (o homem, neste caso, libertar-se-ia do poder constrangedor de todo e qualquer signo, deixando, portanto, de atribuir significados ao mundo), o único caminho que, segundo Caeiro, nos possibilitaria a visão e, consequentemente, o conhecimento do real em toda a sua verdade, enquanto pura presença e pura existência: "A espantosa realidade das coisas É a minha descoberta de todos os dias. Cada coisa é o que é, E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra, E quanto isso me basta.''

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