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domingo, 8 de dezembro de 2019

Poema com versos de Pessoa


Quer pouco: terás tudo. Quer nada: serás livre.
Pedras no meu caminho? Guardo-as todas. Um dia construirei um castelo.
Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho.
Eu sou do tamanho do que vejo, e não do tamanho da minha altura.
A espantosa realidade das coisas é a minha descoberta de todos os dias.
Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o quiser. Mas tenho que querer o que for.
Para viajar basta existir.
Tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Conserva a vontade de viver, não se chega a parte alguma sem ela.
Basta existir para se ser completo.
Amar é cansar-se de estar só...
O perfeito é desumano, porque o humano é imperfeito.
Feliz quem não exige da vida mais do que ela espontaneamente lhe dá.
Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol. Ambos existem; cada um como é.
Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo.
O que penso eu do mundo?
Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir passar o vento, VALE A PENA TER NASCIDO.
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
 Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.
Minha vida é feita de tristezas, felicidades e ao mesmo tempo amor.
O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.
O importante pra mim é saber que eu, em algum momento, fui insubstituível, e que esse momento será inesquecível.
Põe quanto és no mínimo que fazes.
Existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.
Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena.
Morrer é apenas não ser visto. Morrer é a curva da estrada.
Para ser grande, sê inteiro.







quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Soneto já antigo

Olha, Daisy, quando eu morrer tu hás-de
Dizer aos meus amigos ai de Londres,
Que embora não o sintas, tu escondes
A grande dor da minha morte. Irás de
Londres p’ra York, onde nasceste (dizes —
Que eu nada que tu digas acredito...)
Contar àquele pobre rapazito
Que me deu tantas horas tão felizes
(Embora não o saibas) que morri.
Mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,
Nada se importará. Depois vai dar
A notícia a essa estranha Cecily
Que acreditava que eu seria grande...
Raios partam a vida e quem lá ande!...



poemas de Álvaro de Campos

LISBON REVISITED (1923)


Não: não quero nada

Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!

A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!

Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!

Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas

Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —

Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.

Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.

Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?

Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?

Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.

Assim, como sou, tenham paciência!

Vão para o diabo sem mim,

Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!

Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!

Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.

Já disse que sou sozinho!

Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —

Eterna verdade vazia e perfeita!

Ó macio Tejo ancestral e mudo,

Pequena verdade onde o céu se reflecte!

Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!

Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...

E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

1923
Poesias de Álvaro de Campos

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O que há em mim é sobretudo cansaço 


O que há em mim é sobretudo cansaço —

Não disto nem daquilo,

Nem sequer de tudo ou de nada:

Cansaço assim mesmo, ele mesmo,

Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,

As paixões violentas por coisa nenhuma,

Os amores intensos por o suposto em alguém,

Essas coisas todas —

Essas e o que falta nelas eternamente —;

Tudo isso faz um cansaço,

Este cansaço,

Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,

Há sem dúvida quem deseje o impossível,

Há sem dúvida quem não queira nada —

Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:

Porque eu amo infinitamente o finito,

Porque eu desejo impossivelmente o possível,

Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,

Ou até se não puder ser...

E o resultado?

Para eles a vida vivida ou sonhada,

Para eles o sonho sonhado ou vivido,

Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...

Para mim só um grande, um profundo,

E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,

Um supremíssimo cansaço,

Íssimo, íssimo, íssimo,

Cansaço...

9-10-1934
Poesias de Álvaro de Campos

Frases/Versos de Pessoa para apresentação oral

1. Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir passar o vento, VALE A PENA TER NASCIDO.

2. O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.


3. Existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.

4. Feliz quem não exige da vida mais do que ela espontaneamente lhe dá.

5. Tenho em mim todos os sonhos do mundo.

6. Põe quanto és no mínimo que fazes.

7. Minha vida é feita de tristezas, felicidades e ao mesmo tempo amor.

8. Conserva a vontade de viver, não se chega a parte alguma sem ela.

9. Para viajar basta existir.

10. A espantosa realidade das coisas é a minha descoberta de todos os dias.

11. Basta existir para se ser completo.

12. O perfeito é desumano, porque o humano é imperfeito.

13. Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho.

14. Pedras no meu caminho? Guardo-as todas. Um dia construirei um castelo.

15. O importante pra mim é saber que eu, em algum momento, fui insubstituível, e que esse momento será inesquecível.

16. Eu sou do tamanho do que vejo, e não do tamanho da minha altura.

17. Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.

18. Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena.

19. Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.

20. Amar é cansar-se de estar só...

21. Morrer é apenas não ser visto. Morrer é a curva da estrada.

22. Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o quiser. Mas tenho que querer o que for.

23. O que penso eu do mundo?

24. Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol. Ambos existem; cada um como é.

25. Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo.

26. Quer pouco: terás tudo. Quer nada: serás livre.

27. Para ser grande, sê inteiro.

domingo, 3 de novembro de 2019

Poemas de Pessoa ortónimo

 A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.
Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.
Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,
Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.


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     Ó sino da minha aldeia,
     Dolente na tarde calma,
     Cada tua badalada
     Soa dentro da minha alma.

 5   E é tão lento o teu soar,
     Tão como triste da vida,
     Que já a primeira pancada
     Tem o som de repetida.

      Por mais que me tanjas perto
 10 Quando passo, sempre errante,
     És para mim como um sonho.
     Soas-me na alma distante.

    A cada pancada tua
 15 Vibrante no céu aberto,
     Sinto mais longe o passado,
     Sinto a saudade mais perto.

                                           Fernando Pessoa


Em primeiro lugar, neste poema, cujo tema é a nostalgia de infância, o sujeito poético, ser errante (“sempre errante”), recorda o passado (“Sinto mais longe o passado”), tempo de felicidade como um bem perdido, encontrando apenas conforto e sentido para a vida no tempo da infância.

Logo no primeiro verso, o sujeito lírico interpela «o sino da [sua] aldeia», com recurso à apóstrofe (“Ó sino”), a qual concorre para uma maior aproximação entre o eu lírico e o sino a quem este se dirige. O toque do sino estimula a memória do sujeito poético (v.4), no sentido em que o faz recordar a sua infância, passado distante que se associa a um sonho (vv.11-12). É um eco do passado que, longe de alegrar o sujeito lírico, desperta nele a saudade de um tempo irrecuperável (vv.15-16). Os adjetivos "Dolente" e "calma" (v.2) remetem para a durabilidade do som, que não se apaga na memória do poeta.

Convém igualmente destacar, ainda na primeira estrofe, o simbolismo patente no vocábulo “aldeia” (v.1). A aldeia poderá simbolizar neste poema o espaço da infância do sujeito lírico. Surge como um espaço de intimidade, metáfora da interioridade do poeta.

Na segunda estrofe, o sujeito poético pretende mostrar o impacto que o sino, símbolo da dolorosa passagem do tempo, tem no seu estado de espírito. Começa por afirmar que as memórias de um passado saudoso assolam a sua alma tão lentamente como a tristeza da vida (vv.5-6), comparando, deste modo, a lentidão do soar do sino com o seu próprio estado de espírito nostálgico. Para além disso, à medida que o sino toca, acentua-se no sujeito poético a saudade de tempos passados e “ […] a primeira pancada/ Tem o som de repetida”, pois soa tanto no espaço exterior como também no espaço interior, na alma do poeta. Esse seu ecoar instaura no sujeito poético uma certa melancolia e tristeza. Remete, também, para a dor de pensar, pois o eu lírico não se limita a fruir o som do sino que ouve no presente, mas intelectualiza a emoção.

Na terceira estrofe, o sujeito lírico compara o toque do sino a um sonho (“És para mim como um sonho.”). Ele exerce esta comparação porque aquele toque remete-o para um passado distante, o qual nunca mais vai voltar, fazendo com que essas memórias pareçam um sonho, despertando nele a nostalgia de uma infância perdida.

Na quarta e última estrofe, o sujeito poético recorre à antítese "Sinto mais longe o passado,/ Sinto a saudade mais perto", apercebendo-se que a inconsciência e a felicidade que experimentou na sua infância não poderão ser revividas. São despertados nele sentimentos de saudade do bem perdido, do único momento de felicidade plena, do tempo onírico que é a infância. A anáfora do vocábulo “Sinto” (vv.15-16) também concorre para evidenciar a frustração e a nostalgia do sujeito poético.

Relativamente à forma, o poema é composto por quatro quadras, nas quais todos os versos apresentam sete sílabas métricas (a redondilha, maior neste caso, é um metro popular). Nesta composição poética são empregados um léxico e uma sintaxe simples. Além das características já enunciadas, este poema tem uma grande componente de musicalidade devido ao uso da aliteração (“Sinto mais longe o passado/ Sinto a saudade […] “) e do ritmo muito marcado – predominantemente alternado com o som e a pausa decorrentes das badaladas. Deste modo, é possível verificar que se encontram no mesmo reatualizadas as características da poesia tradicional, entre as quais, o predomínio da quadra, a sintaxe simples, o ritmo melodioso, o verso curto (sete sílabas métricas) e o léxico acessível.

Em conclusão, nesta composição poética de Fernando Pessoa, publicada pela primeira vez em 1914 na revista A Renascença, o sujeito poético dirige as suas palavras, sempre e unicamente, ao sino, mas sem esperar ou pedir nada dele. O sino é a causa imediata do seu falso diálogo, no qual enuncia, em tom melancólico, a sua condição de eterno errante (v.10) para quem tudo é simultaneamente perto e distante (vv.15-16), desde o passado irrecuperável até ao soar do sino no presente.





Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Stou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!



A  evocação do sujeito poético é triste e melancólica. Isto porque o Natal é o período por excelência das reuniões familiares e ele está só e sem família. A primeira estrofe do poema reúne esses mesmos sentimentos tão estranhos ao eu lírico: os "lares aconchegados" e "os sentimentos passados". Ele imagina as famílias na província, reunidas, conseguindo na sua unidade familiar continuar as tradições natalícias.


Na segunda estrofe, porém,  já não consegue esconder o que ele próprio sente perante essa visão das famílias reunidas, em tranquilidade. O coração de sujeito poético não se reconhece nesses sentimentos, ele está "oposto ao mundo", na medida que ele próprio está afastado dos outros, só e frio. Mas, mesmo assim, ele reconhece aquela verdade universal, que a "família é verdade". Trata-se afinal de uma confissão horrível que ele faz para si mesmo, pois existem vários tipos de verdade: aquela verdade solitária que ele persegue pelos seus estudos, e a verdade simples, da família, da tranquilidade natalícia.

 O poema acaba com esta consciência do impossível. Lá na província, há lares aconchegados onde tudo isto é uma realidade, em que tudo isto é "verdade". Porém, esta é uma "verdade" inacessível ao sujeito poético, pois quando se sentiu em família era feliz, mas inconsciente e, por isso,  não tem memória disso e, agora, que é consciente, essa felicidade está-lhe vedada, pois já nada lhe resta.




















terça-feira, 17 de setembro de 2019

Conceito de belo

estética não-aristotélica

conceito de estética não-aristotélica surge em contraste com o conceito de estética aristotélica. Enquanto esta remete para uma ideia de beleza  apreendida racionalmente, aquela liga-se à ideia de vida, de força. A estética aristotélica implica uma conceção intelectual do belo e do agradável da arte, enquanto a estética não-aristotélica pressupõe a ideia de vitalidade e de sensibilidade individual. 
É Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa, que, emApontamentos para uma estética não-aristotélica, faz a teorização de uma estética  não-aristotélica baseada na ideia moderna de força e não na de beleza , própria da poética de Aristóteles e dos seus seguidores.