O Herói n'Os Lusíadas e na Mensagem
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Na Mensagem,
a história de Portugal obedece a um destino maior do que os próprios destinos
que a servem, o destino dos heróis.
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Ambos os poemas épicos são poemas da ausência – porque
cantam “o que foi” (Lusíadas) e o “que pode vir a ser” (Mensagem).
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Em Camões é mais forte o sentido viril, de
ímpeto de realizar, e em Pessoa é predominante o sentido simbólico, de revelar
mistérios.
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Camões, que vê o Império ainda vivo, exalta os
heróis para a ação. Pessoa já não tem esperança no Império Material, no Império
feito de terras e ouro, mas espera no futuro um Império Espiritual, de cultura
e almas, que contém em si heróis de estirpe diferente, homens de outra vontade
e erudição.
* Em Camões,
está no mesmo plano a memória e a esperança. Em Pessoa a esperança
tornou-se utopia.
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Os heróis de
Camões guiam-se pela bravura, pela missão de fé, pelo risco e pela aventura. São
de carne viva. Na obra de Pessoa, os heróis são símbolos, espectros. São
conscientes da derrota de ter e perder, revelam um Império já diferente, um
Império Imaterial. Em essência os heróis da Mensagem têm uma “atitude
contemplativa e expectante”, porque o Império já se cumpriu e agora resta a
busca de uma “Índia que não há”. A Mensagem, ocultista, aponta a utopia, que em
verdade nunca se cumpre e sempre permanece um horizonte. Em contraste com o
realismo d’ Os Lusíadas, o elogio do
herói na Mensagem é obscuro e
simbólico. Redunda num – usando palavras de Prado Coelho – “elogio da loucura”,
ao menos a loucura saudável, a loucura que nos salva de só viver sem pensar. Na
Mensagem, Portugal é um instrumento
de Deus, a História pátria obedece a um plano oculto, os heróis cumprem um
destino que os ultrapassa.
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Camões
exorta um D. Sebastião ainda vivo, ciente que está de um Império que embora em
perigo pode ainda sobreviver e renovar-se, enquanto que Pessoa exorta um D.
Sebastião morto, feito já mito e esperança.
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Enquanto Os Lusíadas são a exortação pura, do D.
Sebastião presente, da esperança na renovação do Império decadente, a Mensagem é a exortação do mito
Sebastianista, do rei morto e agora feito apenas futuro. De facto, Pessoa na
Mensagem analisa do mito, o mito extirpado de qualquer vestimenta material e
humana.
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Para Pessoa,
o Sebastianismo é a religião nacional, fundada num mito que nos é familiar. O
encoberto, figura agora mítica, por encarnar num redentor que se espera. Que
Império era este que ainda se esperava, mas que nunca se concretizava? É o
Império Espiritual, o Império que não da carne, mas do espírito. Parece descobrir-se
que afinal, a busca do Quinto Império, é a própria busca do superior patamar da
alma portuguesa. A Mensagem é marcada
por um tom messiânico, a profetizar a renovada grandeza da pátria, mediante a
instauração do Quinto Império.
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O Sebastião
de Camões é viril e aventureiro, à moda das histórias de cavalaria da época. O
Sebastião de Pessoa é já o mito, despido de vestes humanas, humilhado. Há
esperança nos Lusíadas, utopia na Mensagem. O que importa na Mensagem é desenvolver um pensamento,
uma ordem de pensar o futuro em função do passado.
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Devemos ver
as duas grandes obras da literatura poética portuguesa, Lusíadas e Mensagem, como
obras situadas no início e no terminus do grande processo de dissolução do
Império.