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quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Autopsicografia

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda 
Que se chama coração


Análise

 Título (O processo psíquico que se opera no poeta no ato da elaboração do texto poético)

                            A teoria do fingimento como processo da criação poética.



O assunto do poema desenvolve-se em três partes lógicas, que correspondem a cada uma das estrofes.

 Primeira parte-  o primeiro verso contém a ideia fundamental do poema, "o poeta é um fingidor", que, logo a seguir, é explicado, ou confirmado, por meio de uma particularização centrada na dor.
 A poesia não está na dor experimentada, ou sentida realmente, mas no fingimento dela. 
Isto é, a dor sentida, a dor real, para se elevar ao plano da arte, tem de ser fingida, imaginada, tem de ser expressa em linguagem poética. Não há poesia, não há arte sem imaginação, sem que o real seja imaginado de forma a exprimir-se artisticamente, de forma a surgir como um objetivo poético (artístico), de forma a concretizar-se em arte.

 Segunda parte -  o poeta alude à fruição artística da parte do leitor. Este não sente a dor real (inicial), que o poeta sentiu, nem a dor imaginária (dor em imagens) que o poeta imaginou, ao ser artífice do poema, nem a dor que eles (leitores) têm, mas só a que eles não têm. Isto é, o que o leitor sente é uma quarta dor que se liberta do poema, que é interpretado à maneira de cada leitor.

Terceira parte- "E assim" constitui uma espécie de conclusão: o coração (símbolo da sensibilidade) é um comboio de corda sempre a girar nas calhas da roda  para entreter a razão.
Há aqui uma referência à função lúdica da poesia, que começa na fruição de que o próprio poeta goza, no acto da criação artística. O poema torna-se um produto intelectual.
São aqui marcados os dois pólos em que se processa a criação do poema: o coração (as sensações donde o poema nasce) e a razão (a imaginação onde o poema é inventado). Fecha-se neste fim do poema como que um círculo cuja linha limite marca uma pista sem fim em que nunca se esgota a dinâmica do jogo sensação-imaginação.

                                                                          

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