Paulismo
O Paulismo, com raízes no Simbolismo e no Decadentismo, caracteriza-se
por traços como: o desejo de transmitir impressões vagas e difusas, o recurso
frequente à sinestesia, aos pontos de suspensão, à construção tendencialmente
nominal da frase ou sintaticamente insólita, à maiusculação de termos, à
profusão metafórica, uma tendência para a evocação de paisagens esfumadas e
crepusculares, para o esteticismo, para a expressão do tédio, da melancolia e
do absurdo.
IMPRESSÕES DO CREPÚSCULO 29-03-1913
Pauis de
roçarem ânsias pela minh' alma em ouro...
Dobre
longínquo de Outros Sinos... Empalidece o louro
Trigo na
cinza do poente... Corre um frio carnal por minh' alma...
Tão sempre a
mesma, a Hora!... Balouçar de cimos de palma!
Silêncio que
as folhas fitam em nós... Outono delgado
Oh que mudo
grito de ânsia põe garras na Hora!
Que pasmo de
mim anseia por outra coisa que o que chora!
Estendo as
mãos para além, mas ao estendê-las já vejo
Que não é
aquilo que quero aquilo que desejo...
Címbalos de
Imperfeição... Ó tão antiguidade
A Hora
expulsa de si-Tempo! Onda de recuo que invade
O meu
abandonar-se a mim próprio até desfalecer,
E recordar
tanto o Eu presente que me sinto esquecer!...
Fluido de
auréola, transparente de Foi, oco de ter-se.
O Mistério
sabe-me a eu ser outro... Luar sobre o não conter-se...
A sentinela
é hirta - a lança que finca no chão
É mais alta
do que ela... Para que é tudo isto.... Dia chão...
Trepadeiras
de despropósitos lambendo de Hora os Aléns...
Horizontes
fechando os olhos ao espaço em que são elos de ferro...
Fanfarras de
ópios de silêncios futuros... Longes trens...
Portões
vistos longe... através de árvores... tão de ferro!
Ideia vaga da ansiedade, tristeza, provocada
por uma paragem ou estagnação. O
vocabulário e as imagens que sugerem a paragem e a estagnação. A ânsia pelo que se não tem; o distante, o
indefinível, o inatingível- o Mistério. Consciência da ilusão da busca do
Mistério.
Do paulismo
derivou ainda outra corrente, o interseccionismo, cuja
melhor expressão foi a Chuva Oblíqua, corrente que resulta
de uma adaptação do paulismo a novas estéticas como o futurismo e o cubismo.
Com esta corrente o poeta pretende exprimir a complexidade e a intersecção das
sensações percepcionadas, aproximando-se, então, do cubismo que exprime a
interpenetração e sobreposição dos planos dos objectos.
Chuva Oblíqua 8-3-1914
I
Atravessa
esta paisagem o meu sonho dum porto infinito
E a cor das
flores é transparente de as velas de grandes navios
Que largam
do cais arrastando nas águas por sombra
Os vultos ao
sol daquelas árvores antigas...
O porto que
sonho é sombrio e pálido
E esta
paisagem é cheia de sol deste lado...
Mas no meu
espírito o sol deste dia é porto sombrio
E os navios
que saem do porto são estas árvores ao sol...
Liberto em
duplo, abandonei-me da paisagem abaixo...
O vulto do
cais é a estrada nítida e calma
Que se
levanta e se ergue como um muro,
E os navios
passam por dentro dos troncos das árvores
Com uma
horizontalidade vertical,
E deixam
cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro...
Não sei quem
me sonho...
Súbito toda
a água do mar do porto é transparente
e vejo no
fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse desdobrada,
Esta
paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em aquele porto,
E a sombra
duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu
sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao
pé de mim, e entra por mim dentro,
E passa para
o outro lado da minha alma... (…)
Uma chuva
que é oblíqua, é uma chuva inclinada e que incomoda por não ter como fugir
dela; ela atinge as pessoas por mais que tentem esquivar-se. Nesta chuva há uma
intersecção, um cruzamento de elementos bons e maus, desejáveis e indesejáveis,
do real com o imaginário; elementos estes, que aos poucos vão transpassando
pela cabeça e pelo imaginário daqueles que são atingidos por tal chuva.
Mais tarde
surgia o sensacionismo, corrente que faz a apologia da sensação
como a única realidade da vida corrente que Fernando Pessoa considera
cosmopolita e universalista e que corresponde a uma arte sem regras.
Numa carta a
um editor inglês, Fernando Pessoa define da seguinte forma a
atitude central do sensacionismo:
1- A única
realidade da vida é a sensação. A única
realidade em arte é a consciência da sensação.
2- Não há
filosofia, ética ou estética, mesmo na arte, seja qual for a parcela que delas
haja na vida. Na arte existem apenas
sensações e a consciência que dela temos.[...]
3- A arte, na sua definição plena, é a expressão harmónica da nossa
consciência das sensações, ou seja, as
nossas sensações devem ser expressas de tal modo que criem um objecto que seja
uma sensação para os outros. [...]