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terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Cadáver esquisito com versos de Pessoa

"Quem tem alma não tem calma
Eu vejo-me e estou sem mim.
Pobre velha música!
E ando pelas mãos das estações.
O mundo não se fez para pensarmos nele
E as folhas não falavam.
Chove? Nenhuma chuva cai.
A tua beleza para mim está em existires.
A morte chega cedo
À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas
Segue o teu destino.
Não têm pressa o sol, a lua:estão certos.
Onde quer que moremos, tudo é alheio.
Pesa tanto e a vida é tão breve.
Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras.
Tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Sentir tudo de todas as maneiras
Deixa esquecer."


À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas
Segue o teu destino,
pois a morte chega cedo,
e onde quer que moremos, tudo é alheio.
Tudo pesa tanto e a vida é tão breve.
O mundo não se fez para pensarmos nele,
porque não têm pressa o sol, a lua: estão certos
E as folhas não falavam.
Deixa esquecer...
Quem tem alma não tem calma
E eu vejo-me e estou sem mim,
Apesar de sentir tudo de todas as maneiras.
Pobre velha música
No acordar da cidade de Lisboa, mais tarde ou mais cedo
A tua beleza para mim está em existires.
Chove? Nenhuma chuva cai.
Mas ando pela mão das estações
E tenho em mim todos os sonhos do mundo.


Poema Inês e João 

A morte chega cedo
Pesa tanto e a vida é tão breve
Segue o teu destino
E deixa esquecer

Quem tem alma não tem calma
Eu vejo me e estou sem mim
E ando pelas mãos das Estações
E as folhas não falavam

O mundo não se fez para pensarmos nele
Pois onde quer que moremos, tudo é alheio
Tenho em mim todos os sonhos do mundo
A sentir tudo de todas as maneiras

A dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas
Não têm pressa o sol, a lua: estão certos.
Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras
Onde chove? Nenhuma chuva cai

Pobre velha música!
A tua beleza para mim está em existires


Lara, Stefani, Samuel

Pesa tanto e a vida é tão breve
Sentir tudo de todas as maneiras.
Tenho em mim todos os sonhos do mundo
Ao acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras.
Segue o teu destino,
Porque quem tem alma não tem calma
Pois, a morte chega cedo
E o mundo não se fez para pensarmos nele
Não têm pressa o sol, a lua: estão certos
À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas
Deixa esquecer
Onde quer que moremos, tudo é alheio!
Eu vejo-me e estou sem mim,
A tua beleza para mim está em existires.
E ando pelas mãos das estações.
E as folhas não falavam
E chove? Nenhuma chuva cai.
Pobre velha música...


Maria Inês e Maria Rosa

“Pobre velha música,
A tua beleza para mim está em existires
Porque sentir tudo de todas as maneiras
Pesa tanto e a vida é tão breve.
Não têm pressa o sol, a lua: estão certos
As folhas não falavam
Chove? Nenhuma chuva cai
E ando pelas mãos das estações
Ao acordar na cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras
Deixa esquecer
A dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas
Segue o teu destino
Já que a morte chega cedo
E o mundo não se fez para pensarmos nele.
Onde quer que moremos, tudo é alheio
Vejo-me e estou sem mim,
Quem tem alma não tem calma,
Visto que tenho em mim todos os sonhos do mundo.”


Mariana Rito, Mariana Vieira, Alexandre


Pesa tanto e a vida é tão breve
Onde quer que moremos, tudo é alheio
Não têm pressa o sol, a lua: estão certos.
Segue o teu destino
Sentir tudo de todas as maneiras
Porque quem tem alma não tem calma.
O mundo não se fez para pensarmos nele
E as folhas não falavam
E ando pelas mãos das estações
À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas.
O acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras
A tua beleza para mim está em existires.
Chove ? Nenhuma chuva cai
Eu vejo-me e estou sem mim
Tenho em mim todos os sonhos do mundo.
A morte chega cedo
Deixa esquecer
Pobre velha música !


Beatriz Soares


Tenho em mim todos os sonhos do Mundo
Pesa tanto e a vida é tão breve
A Morte chega cedo,
Segue o teu Destino
E deixa esquecer.

Não têm pressa o Sol e a Lua: estão certos
E ando pela mão das estações

Onde quer que moremos, tudo é alheio
O mundo não se fez para pensarmos nele
À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas
O acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras
Aquela pobre velha música!
A tua beleza para mim está em existires

Chove? Nenhuma chuva cai
Eu vejo e estou sem mim
E as folhas não falavam
Quem tem alma não tem calma
por sentir tudo de todas as maneiras


Gonçalo Aleixo e Iara Cabaço


“ O mundo não se fez para pensarmos nele
Pesa tanto e a vida é tão breve,
Porque onde quer que moremos, tudo é alheio.
À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas
Eu vejo-me e estou sem mim.
Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras
E ando pelas mãos das estações.
Tenho em mim todos os sonhos do mundo
Chove? Nenhuma chuva cai.
Pobre velha música,
Quem tem alma não tem calma.
A tua beleza para mim está em existires
E as folhas não falavam.
Sentir tudo de todas as maneiras
Mas a morte chega cedo.
Não têm pressa o sol, a lua: estão certos
Deixa esquecer
E segue o teu destino.”









quarta-feira, 24 de maio de 2017

Excertos de Exames Nacionais



Esta paixão pela língua portuguesa, que aqui confesso, cega não será, superlativa muito
menos. Entendo-a rica, porque vem das boas famílias dos antigos e o que recebeu multiplicou.
Mas nunca afirmarei que é a mais rica ou a mais bela do mundo. Cada povo verá no seu
idioma mais virtudes que em idiomas alheios. Que a disputa, se a houver, seja festiva, pois
que os idiomas não ocupam espaço e não geram rivais mas poliglotas. Anterior à festa, está,
porém, aquilo que dizem História. E a História é bruta e territorial.
Para abordar o assunto do domínio da língua portuguesa sobre os povos são necessários
delicadeza e conhecimento, inteligência e desassombro em dose máxima. Dou-me por incapaz
e renuncio a uma tentativa de discurso. Sei, sim, que houve opressão e apagamento. Mas
talvez não nos caiba desculparmo-nos pelos conceitos e ações de antepassados, visto que
não nos assumimos legatários e o continuum moral já foi cortado. […]
As línguas são os únicos seres vivos que não têm origem natural. O erro humano pode
prolongar-se, mesmo inocentemente, por descuido. O português carregará ainda alguma febre
imperial no corpo e é natural que desconfiem dele. Mas acontece que a repressão é mecânica
e a língua é biológica. Se chega às terras de outros povos na bagagem do colonizador, em
breve sai e se desnuda e se alimenta, e adormece e procria. As armaduras ficam no chão,
enferrujadas, podres. A formação orgânica progride.
Que desígnio será o seu, agora, se não o de trocar e conviver, isto é, integrar a plenitude,
reconhecendo e respeitando a alteridade? Com os nossos instrumentos humanistas, seremos
nós os capazes de «medir», como escreve o Professor Eduardo Lourenço, «esse impalpável
mas não menos denso sentimento de distância cultural que separa, no interior da mesma
língua, esses novos imaginários»? […]
 O nosso mundo de sobreviventes está seguro por laços muitos finos. Eu vejo os fios
que unem os textos nas diversas versões do português, leves fios resistentes e aplicados
a construírem uma teia que não rasgue. Quando o angolano Ondjaki dedica um poema ao
brasileiro Manoel de Barros, quando Mia Couto reconhece a influência que teve Guimarães
Rosa na sua escrita transfiguradora e transfigurada pelas africanas narrativas do seu povo;
quando a portuguesa Maria Gabriela Llansol considera Lispector «uma irmã inteiramente
dispersa no nevoeiro», vemos a língua portuguesa a ocupar - não como o invasor ocupa
a terra, mas como o sangue ocupa o coração - um espaço livre, um sítio para viver, uma
comunidade de diferenças elástica, simbiótica e altiva. Esta é a ditosa língua, minha amada.
Hélia Correia, «Ditosa língua», Público, 8 de julho 2015



1. No contexto em que ocorre, a forma verbal «verá» (linha 3) exprime uma
(A) suposição.
(B) certeza.
(C) ordem.
(D) obrigação

2. Nas expressões «Se chega» (linha 15) e «se desnuda» (linha 16), as palavras sublinhadas são
(A) conjunção e pronome, respetivamente.
(B) pronome e conjunção, respetivamente.
(C) conjunções, em ambos os casos.
(D) pronomes, em ambos os casos.

3. Relativamente à expressão «a língua portuguesa» (linha 29), o recurso ao pronome demonstrativo presente na linha 31 constitui uma
(A) substituição por hiperonímia.
(B) substituição por sinonímia.
(C) anáfora.
(D) catáfora.

4. Indique o valor da oração relativa «que aqui confesso» (linha 1).
5. Indique a função sintática desempenhada pela oração «que houve opressão e apagamento» (linha 9
6. Identifique o antecedente do possessivo «sua» (linha 27).
Época Especial 2016







Só faço a mala à última hora. Nos dias anteriores a uma grande viagem, tento resolver uma
enorme quantidade de assuntos que, com frequência, estavam por tratar há meses. Tento
arrumar tudo, até a consciência, e partir tranquilo. Normalmente, consigo fazê-lo. Soluciono
burocracias acumuladas, organizo gavetas, escrevo e-mails aborrecidos que andava a adiar
e que, durante esse tempo, pareciam crescer em tamanho, em número e em aborrecimento.
Nessa vertigem, não tenho consciência daquilo que me espera à distância de horas.
A mente, ocupada com a obsessão de eliminar problemas antigos, não se liberta a conceber
a viagem que começará em breve. Mesmo a fazer a mala, ainda não estou consciente da
enorme transformação que está prestes a acontecer. Mantenho uma noção simultaneamente
teórica e prática daquilo que planeio: número de dias, calor/frio, necessidades específicas.
Assim, escolho roupa e objetos, entalo meias nos espaços livres.
As partidas. Saio do táxi e tudo segue uma rotina: ver no placard eletrónico qual o balcão
do check-in certo, caminhar a um ritmo certo, pedir para me arranjarem um lugar que não
seja no meio, e guardo sempre o bilhete e os documentos no mesmo sítio, e sigo sempre a
mesma ordem na máquina dos metais. Tenho sempre um livro para ler. Com ele, espero junto
ao portão de embarque. Quando a voz do altifalante avisa que vai começar o embarque, não
tenho pressa.
Sei que chegaremos todos ao mesmo tempo. Entro no avião com o pé direito, sento-me e,
só nesse momento, começo a fantasiar sobre o destino para o qual me dirijo. Faço-o durante
toda a viagem.
Miami, Pequim, Moscovo. Antes de levantar voo, mas já com o cinto apertado, tinha ideias
sobre cada uma dessas cidades. Nesse tempo agora irrepetível, acreditava nessas ideias
com firmeza, eram uma realidade que tinha como base leituras, filmes, conversas e uma
enorme quantidade de suspeitas que, em última análise, refletiam a minha visão do mundo. Só
concebia aquilo que era capaz de conceber. A minha experiência passada era muito importante
para traçar essas fronteiras, mas aquilo que eu imaginava tinha noção da necessidade de
transcender essa experiência. Não sou capaz de garantir que fosse capaz de fazê-lo. Com
base nesse conhecimento, a escolha destes três destinos teve como eixo a vontade de
testemunhar três ângulos essenciais da contemporaneidade política e civilizacional; três polos
de influência mundial que contribuíssem com pistas para o retrato daquilo que é o mundo hoje
e, ao mesmo tempo, permitissem intuir um pouco do mundo que vem. Tentando erguer o
tripé de um álbum de impressões, memórias, imagens, detalhes de instantes.
No que diz respeito ao olhar, impôs-se aquele que está e que privilegia a experiência
simples dos sentidos. No fundo, para quem foi, o mais fundamental desse tempo, aquilo que
efetivamente lhe acrescentou mundo, foi ter ido, ter estado lá realmente, ter olhado em volta.
Há muito que se pode aprender em enciclopédias, documentários ou na internet, mas também
há o resto: aquilo que se pode sentir.
José Luís Peixoto, Volta ao Mundo, n.º 209, março de 2012





1. A anteposição do pronome «lhe» (linha 35) justifica-se pela
(A) presença de uma expressão adverbial enfática.
(B) presença de um advérbio de negação.
(C) sua integração numa frase em discurso indireto livre.
(D) sua integração numa oração subordinada relativa.


2. «Aí» (linha 31) e «lá» (linha 33) são
(A) um deítico espacial e um deítico temporal, respetivamente.
(B) um deítico temporal e um deítico espacial, respetivamente.
(C) deíticos temporais em ambos os casos.
(D) deíticos espaciais em ambos os casos.

3. A oração «que vai começar o embarque» (linha 16) é uma oração subordinada
(A) substantiva relativa.
(B) substantiva completiva.
(C) adjetiva relativa.
(D) adverbial consecutiva.

4. Identifique o valor da oração subordinada adjetiva relativa presente em «A mente, ocupada com a obsessão de eliminar problemas antigos, não se liberta a conceber a viagem que começará em breve.» (linhas 7 e 8). restritivo

5. Identifique a função sintática desempenhada pela oração subordinada presente na frase «Sei que
chegaremos todos ao mesmo tempo.» (linha 18). complemento direto

6. Identifique o antecedente do pronome «o» presente na frase «Faço-o durante toda a viagem.»
(linhas 19 e 20). o destino para o qual me dirijo



Época Especial 2015




«Alberto Caeiro é o meu mestre», afirmava Fernando Nogueira Pessoa. E apesar de os
leitores do século XXI preferirem claramente o trágico engenheiro Álvaro de Campos ou o
solitário urbano Bernardo Soares, a verdade é que é de Caeiro que irradia toda a heteronímia
pessoana, pois ele é tudo o que Fernando Pessoa não pode ser: uno porque infinitamente
múltiplo, o argonauta das sensações, o sol do universo pessoano. Faz hoje cem anos que
Pessoa criou Alberto Caeiro. Tinha 26 anos.
«Ano e meio, ou dois anos depois, lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro
– de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro
como, em qualquer espécie de realidade».
Foi nesta carta a Adolfo Casais Monteiro que Pessoa descreveu o «nascimento» de Caeiro.
Apesar de os estudos pessoanos terem demonstrado que a carta não diz toda a verdade sobre
a criação do heterónimo, nem dos poemas, a verdade é que aquilo que nela haverá de ficção
serve para que Pessoa continue o seu jogo infinito com as racionalmente definidas fronteiras
do real e do irreal.
«Alberto Caeiro é o homem reconciliado com a natureza, no qual o estar e o pensar
coincidem. Ele resolveu todos os dramas entre a vida e a consciência», diz o filósofo José Gil,
que rejeita a ideia defendida por muitos estudiosos da «alma una» de Caeiro.
Inês Pedrosa refere que Caeiro seria a «figura da musa» para o poeta, que aliás o descreve
em termos helénicos, louro como um deus grego. Segundo a cronologia feita por Pessoa,
Alberto Caeiro nasceu em 16 de abril de 1889, em Lisboa. Órfão de pai e mãe, não exerceu
qualquer profissão e estudou apenas até à 4.ª classe. Viveu grande parte da sua vida pobre
e frágil no Ribatejo, na quinta da sua tia-avó idosa, e aí escreveu O Guardador de Rebanhos
e depois O Pastor Amoroso. Voltou no final da sua curta vida para Lisboa, onde escreveu
Os Poemas Inconjuntos, antes de morrer de tuberculose, em 1915.
Caeiro não é um filósofo, é um sábio para quem viver e pensar não são atos separados. Por
isso, não faz sentido considerá-lo menos real do que Pessoa. E cem anos depois, apesar de
não ser o poeta mais lido, Alberto Caeiro tem uma materialidade de que só quem não lê poesia
se atreve a duvidar. O poeta não precisa de biografia e não precisa de um corpo com órgãos
para se alojar em nós, para nos pôr a ver o mundo a partir dos seus olhos, «do seu presente
intemporal igual ao das crianças e dos animais», como escreveu Octávio Paz.
Joana Emídio Marques, Diário de Notícias, 8 de março de 2014, p. 47 (adaptado)





1.1 O recurso à expressão «tudo o que Fernando Pessoa não pode ser» (linha 4) configura uma
(A) elipse.
(B) anáfora.
(C) reiteração.
(D) catáfora.


1.2. A utilização de «pois» (linha 4) e de «Por isso» (linhas 25-26) contribui para a coesão
(A) frásica.
(B) interfrásica.
(C) temporal.
(D) lexical.

1.3. No texto, a palavra «nascimento» (linha 10) encontra-se entre aspas porque se pretende destacar
(A) uma citação.
(B) uma expressão irónica.
(C) um sentido figurado.
(D) um título.

1.4. No excerto «Inês Pedrosa refere que Caeiro seria a “figura da musa” para o poeta, que aliás o
descreve em termos helénicos, louro como um deus grego.» (linhas 18-19), as palavras sublinhadas
são
(A) um pronome e uma conjunção, respetivamente.
(B) uma conjunção e um pronome, respetivamente.
(C) pronomes em ambos os casos.
(D) conjunções em ambos os casos.


2.1. Classifique a oração «que a carta não diz toda a verdade sobre a criação do heterónimo, nem dos
poemas» (linhas 11-12). completiva

2.2. Identifique a função sintática desempenhada pela expressão «viver e pensar» (linha 25). sujeito

Época Especial 2014


Chamar Casa de Papel a uma crónica em torno das coisas dos livros é já denunciar um
saudosismo romântico. Fica um tom melancólico no ar, uma poeticidade a mudar para antiga,
talvez um certo lamento. Não sou nada contra o livro digital e a maravilha que as tecnologias
oferecem. Mas sou do tempo do papel e sonhei com os livros de papel. Quando pensei ser
escritor, um livro assim abriu-se acima da minha cabeça imaginária como um telhado sob o
qual passei a habitar.
Guardarei sempre essa ideia, ainda que possa vir a ler em ecrãs sofisticados e frios. O livro
de papel, como o coração, é um símbolo. Habituei-me a conferir-lhe determinadas mágicas
que, por mais sofisticação que me assalte, não serão substituídas. O livro, esse de folhas,
pulsa. O livro pulsa.
As casas de papel são modos de pensar na tangibilidade do texto, na manualidade de que
ele dependeu para ser lido. São modos de pensar nos autores. Cada autor como um lugar e um
abrigo. Um lugar. Ler um livro é estar num autor. Preciso de pensar nos objetos para acreditar
nos lugares. Oh, nossa deslumbrante desgraça mudadora, não consigo sentir-me bonito dentro
de um Kindle, de um iPad ou de um Kobo. Penso em mim melhor numa coisa entre capas. A
ilustração sem pilhas. As letras sem pilhas. Eternas e sem mudanças. De confiança.
Quantas vezes, estupefacto, abri um livro na mesma página para encontrar a mesma frase
da mesma maneira apresentada? E que prazer saber que a expectativa de que aquele universo
se preserve não sairia gorada, porque os livros de papel são estáveis, não pensam em ser outra
coisa senão por dentro das próprias palavras. Precisei muitas vezes de reencontrar páginas
específicas, com o seu grafismo cristalizado, o seu grafismo diamante, a guardarem‑me o que
não podia perder.
Amar um livro é pedir-lhe que seja sempre nosso, assim, como um amor que se conserva
para repetir ou reaprender. Como poderemos jurar fidelidade a um texto que se desliga? É
como não ter sentimentos, descansar na morte, não permanecer vivo enquanto espera por
nós. É infiel. Não o podemos sequer perfumar e eu tenho livros que me foram oferecidos com
aroma de buganvílias e canela. Gosto muito. Os leitores, sabemos bem, são territoriais. Como
os cães. Sublinhamos e não suportamos os sublinhados dos outros. Ainda que toscos, mal
alinhados, são a marca da nossa passagem por ali.
Valter Hugo Mãe, «Revista 2», Público,18 de novembro de 2012 (adaptado)

nota
iPad, Kindle, Kobo (linha 15) – dispositivos que permitem a leitura em formato digital.





1.1 O vocábulo «folhas» (linha 9), relativamente ao vocábulo «livro» (linha 7), é um
(A) hipónimo.
(B) merónimo.
(C) holónimo.
(D) hiperónimo.

1.2. Na expressão «Oh, nossa deslumbrante desgraça mudadora» (linha 14), o autor recorre à
(A) hipálage.
(B) metáfora.
(C) metonímia.
(D) ironia.


2.1. Classifique a oração «para acreditar nos lugares» (linhas 13 e 14). final

2.2. Indique o antecedente do pronome que ocorre em «Não o podemos sequer perfumar» (linha 26).
        texto que se desliga
2.3. Identifique a função sintática do pronome pessoal sublinhado em «eu tenho livros que me foram
oferecidos» (linha 26).  complemento indireto


Época Especial 2013


quarta-feira, 17 de maio de 2017

Retrato de uma Princesa Desconhecida




Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
Para que a sua espinha fosse tão direita
E ela usasse a cabeça tão erguida
Com uma tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
Servindo sucessivas gerações de príncipes
Ainda um pouco toscos e grosseiros
Ávidos cruéis e fraudulentos


Foi um imenso desperdiçar de gente
Para que ela fosse aquela perfeição
Solitária exilada sem destino

Perguntas de um Operário Letrado



Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Índias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas
                                               Bertolt Brecht











quarta-feira, 10 de maio de 2017

Memorial do Convento


Algumas Personagens





O padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão representa as novas ideias que causavam estranheza na inculta sociedade portuguesa. 
Estrangeirado, Bartolomeu de Gusmão tornou-se um alvo apetecido do chacota da corte e da Inquisição, apesar da protecção real.
Homem curioso e grande orador sacro (a sua fama aproxima-o do padre António Vieira).

Evidenciou, ao longo da obra, uma profunda crise de fé, a que as leituras diversificadas e a postura "antidogmática" não serão alheios, numa busca incessante do saber.

Era conhecido por "Voador" - torna-o elemento catalisador do voo do passarola, conjuntamente com Baltasar e Blimunda. 
A tríade corporiza o sonho e o empenho tornados realidade, a par da desgraça, também ela, partilhada (loucura e morte, em Toledo, de Bartolomeu de Gusmão, morte de Baltasar Sete-Sóis no auto-de-fé e solidão de Blimunda).




Domenico Scarlatti

- Italiano, nascido em Nápoles há 35 anos é uma figura completa, rosto comprido, boca larga e firme, olhos afastados.

-Representa a arte que, 
aliada ao sonho, 
permite a cura de Blimunda e possibilita a conclusão e o voo da passarola.


O Clero
A crítica subjacente a todo o discurso narrativo enfatiza a hipocrisia e a violência dos representantes do espiritualismo convencional, da religiosidade vazia, baseada em rituais que, em vez de elevarem o espírito, originam desregramento, corrupção e degradação moral.

 o papel do clero na Inquisição é uma marca negativa.

O Povo
O verdadeiro protagonista de Memorial do Convento. Espoliado, rude, violento, o povo atravessa toda a narrativa, numa construção de figuras que, embora corporizadas por Baltasar e Blimunda, tipificam a massa coletiva e anónima que construiu, de facto, o convento.



ESPAÇO FÍSICO

São dois os espaços físicos nos quais se desenrola a acção: Lisboa e Mafra.

Lisboa, enquanto macro - espaço, integra outros espaços:

TERREIRO DO PAÇO;

ROSSIO;

SÃO SEBASTIÃO DA PEDREIRA.


Mafra- Alto da Vela ( local escolhido para a construção do convento)

Ilha da Madeira- Onde começaram por se alojar mil trabalhadores, chegando depois a quatro mil.


                                                                ESPAÇO SOCIAL

O espaço social é construído, na obra, através do relato de determinados momentos (ou episódios) e do percurso de personagens que tipificam um determinado grupo social, caracterizando-o.

Ao nível da construção do espaço social, destacam-se os seguintes momentos: 

PROCISSÃO DA QUARESMA;
AUTOS-DE-FÉ;
A TOURADA;
PROCISSÃO DO CORPO DE DEUS;
O TRABALHO NO CONVENTO.


Procissão da Quaresma


 Excessos praticados durante o Entrudo (satisfação dos prazeres carnais) e brincadeiras carnavalescas - as pessoas comiam e bebiam demasiado, davam "umbigadas pelas esquinas", atiravam água à cara umas das outras, batiam nas mais desprevenidas, tocavam gaitas, espojavam-se nas ruas.


 Penitência física e mortificação da alma após os desregramentos durante o Entrudo (é tempo de "mortificar a alma para que o corpo finja arrepender-se”)



Procissão do Corpo de Deus

A procissão do Corpo de Deus, em conjunto com a procissão da quaresma, caracteriza a sociedade em geral.
 
Nos dias que antecedem a procissão do corpo de Deus, as damas vem às janelas mostrar os seus penteados às vizinhas, há pessoas a dançar e a tocar na rua, e também se improvisam touradas.
O povo ao ver todos os preparativos para a procissão do corpo de Deus fica fascinado com a riqueza que esta ostenta.
A cerimónia começa ainda de madrugada com as pessoas a dirigirem-se para ocupar as alas da procissão.
A procissão é enorme!
(24 bandeiras dos ofícios, a imagem de são Jorge, o estandarte do santíssimo sacramento, as comunidades conventuais, o rei e o povo segue a procissão, no final de tudo.)

Ambas as procissões realçam a forma como a população se manifesta-se histericamente e utiliza as festas religiosas para satisfações carnais.
Em particular, durante a procissão da quaresma a população revela o seu gosto por sangue (quando as pessoas se exaltam devido ao som do chicote e a visão do sangue que escorre). Por outro lado, a procissão do corpo de deus mostra uma igreja e um rei fútil, pois o facto da procissão estar cheia de adornos luxuosos não contribui propriamente para a glorificação divina, mas sim, mas a demonstração do monarca e da igreja.


Autos-de-fé (Rossio) 

 O Rossio está novamente cheio de assistência; a população está duplamente em festa, porque é domingo e porque vai assistir a um auto-de­-fé (passaram dois anos após o último evento deste tipo).

 O narrador revela a sua dificuldade em perceber se o povo gosta mais de autos-de-fé ou de touradas, evidenciando com esta afirmação a sua ironia crítica perante um povo que revela um gosto sanguinário e procura nas emoções fortes uma forma de preencher o vazio da sua existência.



Tourada (Terreiro do Paço)


 O espectáculo começa e o narrador enfatiza a forma como os touros são torturados, exibindo o sangue, as feridas, as "tripas“ ao público que, em exaltação, se liberta de inibições ("os homens em delírio apalpam as mulheres delirantes, e elas esfregam-se por eles sem disfarce” .


ESPAÇO PSICOLÓGICO

O espaço psicológico é constituído pelo conjunto de elementos que traduz a interioridade das personagens. 


O sonho – a rainha sonha diversas vezes com o cunhado, D. Francisco. Ao longo do romance, são descritos com alguma insistência os sonhos de diversas personagens, dando conta dos seus mais íntimos desejos, ansiedades e inquietações…
A imaginação – por exemplo, a peregrinação em busca de Baltasar, durante nove anos, Quantas vezes imaginou Blimunda que estando sentada na praça de uma vila, a pedir esmola, um homem se aproximaria… (Cap. XXV)
A memória – Quando Baltasar, por exemplo, relembra o momento em que perdeu a sua mão esquerda na guerra. (VIII)
A reflexão – nomeadamente, a conversa entre a infanta D. Maria Bárbara e sua mãe durante o cortejo nupcial .(XXII)




O TEMPO DIEGÉTICO  (da História)


Trata-se do tempo em que decorre a acção.

O fluir do tempo, mais do que através da recorrência a marcos cronológicos específicos, é sugerido pelas transformações sofridas pelas personagens e por alguns espaços e objectos ao longo da obra.



As referências cronológicas mais importantes são as seguintes:

A acção inicia-se em 1711. D. João V ainda não fizera vinte e dois anos e D. Maria Ana Josefa chegara há mais de dois anos da Áustria.


em 1716, tem lugar a bênção da primeira pedra do Convento de Mafra;

em 1717, Baltasar e Blimunda regressam a Lisboa para trabalhar na passarola do padre Bartolomeu de Gusmão;

em 1719, celebra-se o casamento de D. José com Mariana Vitória e de Maria Bárbara com o príncipe D. Fernando (VI de Espanha);

em 1730, mais propriamente no dia 22 de Outubro, o dia do quadragésimo primeiro aniversário do rei, realiza-se a sagração do Convento de Mafra;

a acção termina em 1739, no momento em que Blimunda vê Baltasar a ser queimado em Lisboa, num auto-de-fé.



TEMPO DO DISCURSO
A antecipação de alguns acontecimentos serve os seguintes propósitos :

a crítica social - é o caso das prolepses que dão a conhecer as mortes do sobrinho de Baltasar e do infante D. Pedro, de modo a estabelecer o contraste entre os dois funerais, ou a morte de Álvaro Diogo, que viria a cair de uma parede, durante a construção do convento, assim como a informação sobre os bastardos que o rei iria gerar, filhos das freiras que seduzia;

 a visão globalizante de tempos distintos por parte do narrador (o tempo da história e, num tempo futuro, o do momento da escrita) - cabem aqui as referências aos cravos (outrora, nas pontas das varas dos capelães; muito mais tarde, símbolos da revolução do 25 de Abril), a associação entre os possíveis voos da passarola e o facto de os homens terem ido à Lua, no século XX, a alusão ao tipo de diversões que se vivia no século XVII e ao cinema, entre outras.


LINGUAGEM


        O autor utiliza, em maior ou menor grau, o registo de língua familiar e popular com sentido irónico e crítico ou como forma de traduzir o estatuto social das personagens.
Popular: "de boca à banda" 
Familiar: "Meu querido filho, como foi isso, quem te fez isto..." 
Cuidado: "não havendo portanto mediano termo entre a papada pletórica e o pescoço engelhado, entre o nariz rubicundo e o outro heréctico“

As principais figuras de estilo:
- metáfora
-ironia
-hipálage
-aforismo
-oposições (antonímia)

Formas verbais
- o gerúndio ( para traduzir movimento, duração,…)
- O modo imperativo( como reminiscência da oratória barroca, liga-se à ironia)
 o presente do indicativo( transporta o leitor para o tempo da narrativa)


INTERAÇÃO COM A LÍNGUA PORTUGUESA

Quadras populares: "Aqui me traz minha pena com bastante sobressalto, porque quer voar mais alto, a mais queda se condena".
Contos tradicionais: "Era uma vez uma rainha que vivia com o seu real marido em palácio...".
Luís de Camões, Os Lusíadas: "O homem, bicho da terra" .
Padre António Vieira, Sermão de Santo António aos Peixes: "Estão parados diante do último pano da história de Tobias, aquele onde o amargo fel do peixe restitui a vista ao cego. A amargura é o olhar dos videntes, senhor Domenico Scarlatti,...".
Fernando Pessoa, Mensagem: "Em seu trono entre o brilho das estrelas, com seu manto de noite. solidão, tem aos seus pés o mar novo e as mortas eras, o único imperador que tem, deveras, o globo mundo em sua mão, este tal foi o infante D. Henrique, consoante o louvará o poeta por ora ainda não nascido... “.
Estilo barroco: "Parece apenas um gracioso jogo de palavras, um brincar com os sentidos que elas têm, como nesta época se usa, sem que extrema mente importe o entendimento ou propositadamente o escurecendo."



Simbolismo

A História, em Memorial do Convento, torna-se matéria simbólica para refletir sobre o presente , na perspetiva da denúncia para dela se extrair uma moralidade que sirva de lição para o futuro


O que representam, na obra, Baltasar e Blimunda?
     Representam a capacidade humana de lutar contra a repressão; a capacidade de libertação de todo um povo oprimido.
     Sete-Sóis e Sete-Luas simbolizam, juntos, uma totalidade e isto por dois motivos:
– porque são Sol e Lua, astros que complementam a unidade do tempo, feito de dia (Sol) e de noite (Lua);
– mas também porque o número sete representa, na simbologia hebraica, a totalidade humana, simultaneamente masculina e feminina.
- criam a passarola da liberdade tal como Ícaro.


Bartolomeu de Gusmão
Representa o ser fragmentário, dividido entre a religião e a alquimia.
Simboliza a aspiração humana
( voo da passarola)  

Scarlatti
Ligado à música simboliza a ascensão de um homem através da música.



Sete – representa a totalidade do universo 
Está presente no nome do par amoroso para representar a harmonia cósmica. 

Nove – representa a gestação, a renovação e o renascimento.

Passarola – é o elo de ligação entre o céu e a Terra, na ânsia da realização e da libertação.

A mãe da pedra - Uma outra situação-acontecimento de cariz mítico constitui-se como a gesta heróica do transporte da pedra gigante de mármore. Anuncia os "trabalhos" fabulosos.



TEMAS

A opulência dos ricos / a extrema pobreza do povo 
«Esta cidade, mais que todas, é uma boca que mastiga de sobejo para um lado e de escasso para o outro.»

 A religião repressiva e degradação dos costumes
«entre duas igrejas, foi encontrar-se com um homem.»
«alivia-se a necessidade, na peniqueira ou no ventre das madres»

A plenitude do amor / o casamento de conveniência

Elogio do Sonho/Utopia
A história do sonho de voar, personificado na figura do padre--cientista Bartolomeu Lourenço de Gusmão (poder do sonho e da vontade) 

Ânsia de liberdade/ repressão da Inquisição







domingo, 23 de abril de 2017

Felizmente Há Luar!


O tempo da escrita e o tempo da ação

Em Felizmente há Luar!  a obra dever ser lida em função de dois tempos diferentes, com significados próprios, mas que se entrecruzam:

A- O tempo da escrita – a peça foi escrita – 1961, em, plena ditadura salazarista do “Estado Novo”;

B – O tempo da ação –1817:  período após as invasões francesas, com o rei D. João VI ainda ausente no Brasil e Portugal a ser governado por uma Junta de Governadores (Regência).


Gomes Freire de Andrade


Personagem central, sem nunca aparecer

Homem instruído, militar honesto, ex-combatente nos exércitos napoleónicos, sem nunca ter combatido contra Portugal.

Símbolo da modernidade e do progresso

Adepto das novas ideias liberais

Símbolo da luta pela liberdade



Matilde
Mulher de carácter forte
Corajosa
Denunciadora da hipocrisia do Estado e da Igreja
Símbolo da mulher que ama e sofre.

Sousa Falcão

Amigo inseparável do general Gomes Freire de Andrade
Representa a impotência perante os governadores
Dominado pelo desânimo
Assume a sua cobardia perante o exemplo de Gomes Freire.

Manuel e Rita

Representantes do povo oprimido e esmagado
Símbolos da consciência popular
Impotentes para alterar a situação
Símbolos do desespero, da desilusão, da frustração

Vicente
Elemento do povo
Traidor da sua classe – renega as suas origens
Representa a hipocrisia e o oportunismo
Materialista – pretende uma ascensão social rápida

Andrade Corvo e Morais Sarmento


Representam:
Cobardia
Traição
Subserviência
Vilania

D. Miguel Forjaz

Nobreza orgulhosa
Prepotência
Corrupção
Absolutismo
Principal Sousa

O poder da Igreja
ódio aos revolucionários
ódio aos franceses
comprometimento da igreja com o poder
conservadorismo da igreja


Beresford

Exército
Superioridade inglesa
Desprezo por Portugal
castigo e denúncia de traidores
sentido prático

   Linguagem


Recursos de estilo

Expressões populares

Provérbios 

Frases sentenciosas


Recursos Estilísticos (exemplos)

Aliteração (pág. 111)                     

Antítese (pág. 91)

Comparação (pág. 28)

Diminutivo (pág. 78

Hipálage (pág. 57)

Hipérbole (pág. 56)

Imagem (pág. 67)

Interjeição (pág. 29)

Paralelismo (pág. 21)

Personificação (pág. 77)

Repetição (pág. 23)

Trocadilho (pág. 88)

Interrogação Retórica (pág.57)

Ironia (pág. 23)

Metáfora (pág. 53)

Onomatopeia (pág. 21)


IMPORTÂNCIA DAS DIDASCÁLIAS

LUZ- diminui de intensidade no final de cada ato

Permite perceber:
-a mudança de cenário;
- a mudança de espaço;
- o destaque das figuras em palco.

SOM- aumenta no final de cada ato

ruídos dos tambores- ameaçador; obriga ao silêncio
sinos a rebate- clima de terror; prisão dos revolucionários
vozes humanas- dramatismo; execução

MOVIMENTAÇÃO CÉNICA

Indicação aos atores
Saída/entrada de personagens
Posição das personagens em cena
Expressão fisionómica dos atores 
Linguagem gestual

CARACTERIZAÇÃO DAS PERSONAGENS

Tom de voz/flexões
Expressão do estado de espírito
Sugestão do aspeto exterior















terça-feira, 28 de março de 2017

Canto VIII- O poder corruptor do vil metal


96
Nas naus estar se deixa, vagaroso,
Até ver o que o tempo lhe descobre;
Que não se fia já do cobiçoso
Regedor, corrompido e pouco nobre.
Veja agora o juízo curioso
Quanto no rico, assi como no pobre,
Pode o vil interesse e sede imiga
Do dinheiro, que a tudo nos obriga.
97
A Polidoro mata o Rei Treício,
Só por ficar senhor do grão tesouro;
Entra, pelo fortíssimo edifício,
Com a filha de Acriso a chuva d' ouro;
Pode tanto em Tarpeia avaro vício
Que, a troco do metal luzente e louro,
Entrega aos inimigos a alta torre,
Do qual quási afogada em pago morre.

98
Este rende munidas fortalezas;
Faz trédoros e falsos os amigos;
Este a mais nobres faz fazer vilezas,
E entrega Capitães aos inimigos;
Este corrompe virginais purezas,
Sem temer de honra ou fama alguns perigos;
Este deprava às vezes as ciências,
Os juízos cegando e as consciências.
99
Este interpreta mais que sutilmente
Os textos; este faz e desfaz leis;
Este causa os perjúrios entre a gente
E mil vezes tiranos torna os Reis.
Até os que só a Deus omnipotente
Se dedicam, mil vezes ouvireis
Que corrompe este encantador, e ilude;
Mas não sem cor, contudo, de virtude!



Os Lusíadas: VIII, 96-99
         Vasco da Gama permanece nas naus e decide não desembarcar, visto que já não confia no ambicioso Catual, pois já o traíra, era muito ambicioso («cobiçoso»), corrupto («corrompido») e «pouco nobre». Por outro lado, Gama espera vir a descobrir a verdade com o tempo, daí também a sua decisão.
         Ora, esta referência ao sucedido a Vasco da Gama é o exemplo que serve de ponto de partida para a reflexão do poeta, que adverte, a partir do verso 5 da estância 96, para o efeito corruptor do dinheiro, que tanto sujeita os ricos como os pobres.

         Na estância 97, o poeta apresenta três casos através dos quais pretende provar a sua tese enunciada na estância anterior, isto é, que exemplificam o poder negativo dos bens materiais – dinheiro e ouro ‑, que levam à adoção de atitudes inesperadas.
         O primeiro exemplo refere-se ao rei da Trácia, que assassinou Polidoro, filho de Príamo, rei de Troia, com o único fito de lhe roubar o ouro. De facto, para o salvar, quando a cidade estava prestes a cair em poder dos Gregos, o rei enviou-o com ouro ao rei da Trácia que, todavia, se apoderou do ouro e o assassinou.

         O segundo caso refere-se a Dánae, filha de Acrísio, rei de Argos (Grécia), que foi encerrada numa torre para que não procriasse e, deste modo, fosse anulada uma profecia de um oráculo que anunciou a morte do soberano às mãos de um neto. Porém, Júpiter metamorfoseou-se em chuva de ouro, introduziu-se na torre e engravidou-a. Desse ato nasceu Perseu, que, concretizando a profecia, assassinou o avô.

         O último exemplo alude a Tarpeia, uma jovem romana que, na esperança de obter anéis de ouro dos Sabinos que sitiavam Roma, lhes abriu as portas da cidade. No entanto, os inimigos não a pouparam, esmagando-a sob as jóias e os escudos, tendo assim ficado soterrada.

         Nas estâncias 98 e 99, o poeta prossegue a enumeração dos efeitos negativos do dinheiro:
a. corrompe o pobre e o rico (estância 96);
b. leva ao assassínio (exemplo do rei da Trácia);
c. conduz à traição (est. 98, v. 1): os soldados rendem-se quando as suas fortalezas ainda se encontram abastecidas;
d. conduz à traição e à falsidade entre os amigos;
e. transforma o mais nobre em vilão (est. 98, vv. 3 a 6): a ambição material pode levar nobres, capitães ou virgens a renderem-se ao seu poder, mesmo tendo consciência de que a sua honra ficará manchada;
f. corrompe as ciências, os juízes e as consciências, levando-as a agir contra os seus princípios morais e culturais (est. 98, vv. 7-8);
g. distorce / perverte a interpretação dos textos (est. 99, vv. 1-2);
h. manipula as leis e a justiça, que se aplicam arbitrariamente (est. 99, v. 2);
i. fomenta o perjúrio (est. 99, v. 3);
j. fomenta a tirania nos reis (est. 99, v. 4);
k. corrompe os membros do clero, ainda que sob uma capa de virtude.

         Em síntese, os vícios provocados pela ambição são os seguintes:
i. a traição (“Faz tredores e falsos os amigos”);
ii. a corrupção (“Este corrompe virginais purezas”);
iii. a arbitrariedade (“Este interpreta mais que subtilmente / Os textos…”);
iv. a mentira / o perjúrio (“Este causa os perjúrios entre a gente”);
v. a tirania (“E mil vezes [hipérbole] tiranos torna os Reis”).














Episódio da Ilha dos Amores


Caráter simbólico do episódio “Ilha dos Amores”:

­ o mar é o caminho físico para a espiritualidade;
­ com Vasco da Gama temos o reconhecimento do herói e a Ilha dos Amores é esse reconhecimento;
­ na  Ilha  dos  Amores  dá­se  o  casamento  cósmico  entre  os marinheiros  e  as  ninfas  – é  a recompensa  e  a dignificação/mitificação do herói;
­ para  os  marinheiros  fazerem  amor  com  a  ninfas,  são  elevados  ao  plano  do  divino  e  as  ninfas  têm oportunidade de saborear o amor humano;
­ Tétis  revela  a  Vasco  da  Gama  a  Máquina  do  Mundo,  o  que  permite  a  mitificação  do  herói,  o  amor  e  o conhecimento. São estes últimos que permitem a elevação do ser como pessoa;
­ a Ilha existe porque os portugueses foram capazes de ultrapassar os seus medos e atingir o conhecimento ao passarem pelo Cabo das Tormentas;
­ revelação de que o único caminho para o futuro é o amor e o conhecimento (cf. Quinto Império)


Mitificação do herói:

­ os portugueses conseguiram conquistar o mar e vencer as forças divinas;
­ a vontade de “ir mais alto” e “mais longe”, a ousadia, a coragem, o sacrifício e o estudo permitiram ao povo português a superação de si próprio e “mais do que prometia a força humana” atingir o seu objetivo;
­ a  Ilha  dos  Amores  surge  como  a  recompensa  pela  superação  de  todos  os  obstáculos  e  o  alcance  do “horizonte”, existindo, desta forma, a divinização dos portugueses;
­ a viagem traduz­se na procura da verdade, na passagem do desconhecido para o conhecido, das trevas para a  luz,  a  capacidade  de  ultrapassar  o  medo  e  atingir  a  verdade,  sendo  exemplo  disso  o  episódio  do Adamastor;
­ a Máquina do Mundo surge como uma nova época do conhecimento, o alargamento de horizontes;
­ a suprema harmonia dá-se através da união dos homens com os deuses;

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Reflexões do Poeta

CANTO I

105
O recado que trazem é de amigos,
Mas debaixo o veneno vem coberto;
Que os pensamentos eram de inimigos,
Segundo foi o engano descoberto.
Ó grandes e gravíssimos perigos!
Ó caminho de vida nunca certo:
Que aonde a gente põe sua esperança,
Tenha a vida tão pouca segurança!


106
No mar tanta tormenta, e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme, e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?


O  Poeta reflete sobre a fragilidade e efemeridade da vida humana. 
Refere que o povo de Mombaça se finge  amigo dos portugueses para os traírem, mas são descobertos. 
Fala dos perigos e inseguranças, a ponto do ser humano não ter nenhum sítio no mundo onde se possa acolher e sentir seguro.
Apresenta a diferença entre o Homem, "bicho da terra tão pequeno" e as imensas forças da natureza.


quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Temas e Estilo em Álvaro de Campos


  •  Fase Decadentista


 O Decadentismo:
     . desilusão e tédio de viver
     . procura de novas sensações
     . busca da evasão
     . atitude desafiadora das normas instituídas

  • Fase Futurista e Sensacionista

O Futurismo:
     . apologia da civilização tecnológica
     . procura do objetivismo
     . atitude provocatória (infração dos 
  padrões morais estabelecidos)
     . defesa de uma estética não-aristotélica, 
  baseada na exaltação da força
     . quebra da tradição

O Sensacionismo:
     . experiência excessiva das sensações
     . sadismo e masoquismo
     . elogio consciente do mundo moderno
     . euforia emocional


  • Fase Intimista

O tédio existencial:
     . desassossego e angústia metafísicos (dor de viver)
     . dor de pensar
     . desalento, cansaço e abulia
     . solidão e isolamento
     . dificuldade de socialização
     . estranheza da realidade e dos outros
     . desajustamento face ao presente
     . tom introspetivo e pessimista
     . sentimento de frustração
     . constatação do absurdo


A nostalgia da infância:
     . infância como símbolo da pureza, 
  da inconsciência e da felicidade
     . consciência da perda irrecuperável 
  do tempo da meninice


  • Marcas formais e estilísticas 
▪ Estrofes e versos longos
▪ Versos soltos
▪ Ritmo rápido
▪ Linguagem exuberante
▪ Mistura de registos de língua
▪ Estilo intenso e repetitivo
▪ Irregularidade estrófica e métrica
▪ Riqueza estilística, adequada aos excessos do conteúdo   (enumerações, exclamações, adjetivações múltiplas, metáforas, paradoxos, personificações, sinestesias, hipérboles, apóstrofes, anáforas, aliterações…
▪ Vocabulário diversificado, com inclusão de empréstimos, neologismos, topónimos, antropónimos e onomatopeias

...




O que há em mim é sobretudo cansaço


O cansaço de que o poeta diz sofrer é incisivo, corrosivo, profundo. Não possui nem
objeto perfeitamente definido (não é cansaço “disto nem daquilo, / Nem sequer de
tudo ou de nada” – vv. 2-3), nem sequer motivo transparente: “Essas coisas todas – /
Essas e o que falta nelas eternamente –;/ Tudo isso…” (vv. 9, 10, 11). É um cansaço
“assim mesmo, ele mesmo” (vv. 4-5); é cansaço pelo cansaço, só cansaço.
Mas tal cansaço, apesar disso, envolve o poeta todo (“O que há em mim é sobretudo
cansaço” – v. 1); é “um cansaço, / Este cansaço, / Cansaço”. E note-se como esta referência
ao cansaço é acompanhada de elementos que evidenciam esse carácter de coisa
não definida – a disposição gradativa manifestada pelo contributo conjugado do artigo
indefinido um, dos pronomes demonstrativos isso, este, e a redução drástica no tamanho
dos versos (vv. 11, 12, 13).
É um cansaço grande e profundo (v. 26 – notar a anáfora a incidir no artigo indefinido
um… um… um) e ainda infecundo e supremíssimo (vv. 27, 28). A insistência no sufixo
íssimo, característico do superlativo absoluto sintético, usado isoladamente, deslocado
do adjetivo, a que anda habitualmente acoplado, e empregue como se fora ele mesmo
um adjetivo, aparece com uma dupla finalidade. Por um lado, destina-se a intensificar,
até ao paroxismo, e em conjugação com as reticências finais do v. 30, o sentido do
mesmo superlativo, e assim exprimir o cansaço indizível de que sofre o poeta; por
outro lado, reenviar ao verso inicial do texto, tudo se processando circularmente, em
espiral (o sem-sentido a manifestar-se): o cansaço pelo cansaço, sem objeto definido ou
motivo claro.
E este aspeto apresenta-se como essencial para distinguir e distanciar a pessoa
do poeta da pessoa dos outros. O poeta ama “infinitamente o finito”, deseja “impossivelmente
o possível”, quer “tudo, ou um pouco mais, se puder ser, / Ou até se não puder
ser…” (vv. 19 a 21 – notar a disposição em anáfora, na base da conjunção causal porque, a
gradação obtida com os verbos amo, desejo, quero; a expressividade dos advérbios de
modo infinitamente, impossivelmente; os jogos de palavras, em conjugação com o paradoxo
e a hipérbole; a pontuação, assente mais na sensibilidade que na lógica…).
Os outros são diferentes. E o poeta reparte-os por três grupos: os que amam o infinito,
os que desejam o impossível e os que não querem nada (vv. 14-16 – notar, uma vez
mais, a construção anafórica Há sem dúvida quem e o paralelismo que se pretende obter
com os verbos expressivos amar, desejar, querer, referidos aos outros e ao poeta, para
frisar bem a oposição entre eles).
Isto quererá dizer que os outros se acomodam, aceitam sem contestar – a vida ou o
sonho; o infinito, o impossível ou o nada. Notar a expressividade dos versos 23 a 25:
a disposição em anáfora da construção Para eles… Para eles… Para eles…, o recurso ao
quiasmo (vida vivida ou sonhada… sonho sonhado ou vivido…), os jogos de palavras
(vida vivida ou sonhada, sonho sonhado ou vivido), o paradoxo (tudo, nada), a organização
sintática deficiente (v. 26 e variante apresentada).
Em contrapartida, ao poeta resta-lhe o cansaço. Não porque ele seja um idealista, já
que ama o finito, o possível, tudo (“ou um pouco mais, se puder ser, / Ou até se não
puder ser…”, vv. 18 a 21). Só que ele não atinge o que ama/deseja/quer como pretenderia.
Daí se lhe instalar o cansaço na alma.
E deste modo se observa que o cansaço do poeta não é um cansaço físico, mas existencial.
Ele não chega a explicitar o motivo desse cansaço, ainda que indiretamente
sugira (vv. 18 a 21) que foram essas suas ambições – não concretizadas na medida
desejada: a impossibilidade de anulação de todos os limites, e desse modo a aproxima-
ção do absoluto – que provocaram nele esse cansaço, bem como as sensações inúteis
(v. 6), as paixões violentas por coisa nenhuma (v. 7), os amores intensos por o suposto em
alguém (v. 8); isto é: o viver excessivo, o correr cada momento no limite, o ter querido o
finito e o possível, mas ter-se desiludido.
Mas o poeta não deixa de insistir, por isso, sempre e repetidamente, em que é cansaço
o que sente (e o lexema encontra-se presente em 9 dos 30 versos do poema –
tomando lugar, portanto, em praticamente 1/3 do texto –, colocado em destaque, à
exceção do que acontece no v. 2, na parte final de cada verso). Um cansaço de tudo,
não especialmente, concretamente, de coisa alguma; cansaço da vida e de si – cansaço.


SILVA Lino Moreira da, 1989. Do Texto à Leitura 




Uma análise do poema "Aniversário"


Em 45 versos, distribuídos por estrofes irregulares […] e em verso livre, como é habitual em
Campos, tomando como espécie de leitmotiv obsessivo o “No tempo em que festejavam o dia dos meus
anos”, que funciona como espécie de refrão, evoca-se, de maneira nostálgica, um passado de
infância, em que “fazer anos era uma tradição de há séculos / E a alegria de todos, e a minha, estava certa
como uma religião qualquer.”
Era o momento em que se era “inteligente por entre a família”, porque no Eu/menino havia “a
grande saúde de não perceber coisa nenhuma” – ou seja, era o tempo em que o gozo era gozo sem
necessidade de justificação, o tempo de se ter a alegre inconsciência da ceifeira de que falava Pessoa
[…]. Porque assim era, esse tempo-inocente, era igualmente tempo de “não ter esperanças”, as
esperanças que outros tinham em seu lugar.
Após essa primeira evocação do tempo da saúde, em que “se era feliz e ninguém estava morto”,
um “refluxo” a marcar a disforia do tempo de depois e de hoje (3.ª estrofe), transmitido através de
metáforas, comparações e imagens poderosas: “O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do
fim da casa, / Pondo grelado nas paredes… […] / É terem vendido a casa, / É terem morrido todos, / É estar
eu sobrevivente a mim mesmo como um fósforo frio”.
Nada sobrou desse tempo feliz – a não ser o “desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez”,
mais adiante definido como fome devoradora: “Comer o passado como pão de fome, sem tempo de
manteiga nos dentes!”
Na 5.ª estrofe, um regresso maravilhado – na imaginação, claro – a esse passado em que a
mesa era posta com mais lugares, com loiças, copos diferentes e talheres mais bonitos, com ‘‘ as
tias velhas’’ (também evocadas na ‘‘Ode Marítima’’), os primos – e o acentuar, entre o encantamento
e a nostalgia: “e tudo era por minha causa” – é o tempo em que, todos, mais ou menos, somos
a pessoa mais importante do mundo…
E, depois, a penúltima estrofe, como conclusão, a marcar a amargura – “Para, meu coração, / Não
penses! Deixa o pensar na cabeça!” – no fundo é esse o drama, sentido por Campos como por Pessoa,
e “ultrapassado” (?) pela nitidez do olhar de Caeiro e pela reflexão melancólica de Reis, que visa
ser-lhe “indiferente” – o drama da dor de pensar, de ser consciente, lúcido, em vez de sentir, só.
O coração não é para pensar, é para sentir – o pensar é para a cabeça – diz Campos.
O final da estrofe é magnífico (ninguém como Campos o tinha dito –, que eu saiba ninguém
o disse melhor depois):
“Hoje, já não faço anos. / Duro. / Somam-se-me dias. / Serei velho quando for. / Mais nada.”
E a exclamação de raiva incontida e de impotência:
“Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!”


PAIS, Amélia Pinto, 2002. Para compreender Fernando Pessoa.