Número total de visualizações de páginas

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Revista Orpheu


Revista Orpheu (Orphismo)

Os únicos dois números desta revista, lançados em Março e Junho de 1915, marcaram a introdução do modernismo em Portugal. Tratava-se de uma revista onde Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros e Fernando Pessoa, entre outros intelectuais de menor vulto, subordinados às novas formas e aos novos temas, publicaram os seus primeiros poemas de intervenção na contestação da velha ordem literária; o primeiro número provocou o escândalo e a troça dos críticos, conforme era desejo dos autores; o segundo número, que já incluiu também pinturas futuristas de Santa-Rita Pintor, suscitou as mesmas reações. Perante o insucesso financeiro, a revista teve de fechar portas, pois quem custeava as publicações era o pai de Mário de Sá Carneiro e este cometeu suicídio em 1916. No entanto, não se desfez o movimento organizado em torno da publicação. Pelo contrário, reforçou-se com a adesão de novos criadores e passou a desenvolver intensa actividade na denúncia inconformista da crise de consciência intelectual disfarçada pela mediocridade académica e provinciana da produção literária instalada na cultura portuguesa desde o fim da geração de 70, de que Júlio Dantas (alvo do Manifesto Anti-Dantas, de Almada) constituía um bom exemplo.

Jornal Le Figaro




segunda-feira, 18 de abril de 2016

Tempo em Felizmente Há Luar!

TEMPO

a) tempo histórico: século XIX

b) tempo da escrita: 1961, época dos conflitos entre a oposição e o regime salazarista

c) tempo da representação: 1h30m/2h

d) tempo da acção dramática: a acção está concentrada em 2 dias

e) tempo da narração: informações respeitantes a eventos não dramatizados, ocorridos no passado, mas importantes para o desenrolar da ação,

As indicações temporais fornecidas pelo texto permitem-nos verificar que a intriga se desenrola de forma linear e progressiva, embora não sejam muito precisas as indicações sobre a duração da ação.
Historicamente, sabe-se que o General Gomes Freire de Andrade foi preso a 25 de maio de 1817 e executado a 18 de outubro de 1817. assim, a ação decorre entre estes dois marcos temporais. Deste modo, o ato II pressupõe uma duração de 150 dias.

Felizmente Há Luar! - Mecanismos de Distanciação


  • Brecht considera que o teatro deve tomar como ponto de partida a realidade envolvente, denunciando as injustiças sociais e procurando criar uma consciência política no espectador que o leve a intervir socialmente. 
  •  Por isso faz apelo constante ao espírito crítico e de análise do espectador, levando-o a uma maior consciencialização que passa pela sua capacidade de demonstrar racionalmente as técnicas de fabricação da ilusão que a estrutura dramática implica.
  • .A ruptura com a conceção tradicional da essência do teatro é evidente: o drama já não se destina criar o terror e a piedade, isto é, já, não é a função catártica, purificadora, realizada através das emoções, que está em causa, pela identificação do espectador com o herói da peça, mas a capacidade crítica e analítica de quem observa. Brecht pretendia substituir sentir por pensar. 


Distanciação: mecanismos

Para conseguir o objetivo de formar um espectador novo, crítico e interveniente na sociedade, que não se limite a identificar-se com situações ou personagens, mas que tome partido, Brecht utiliza um conjunto de técnicas que criam o que ele designa por efeito de distanciação
Distanciar é fazer com que o espectador não se identifique com as situações que visualiza, se sinta um estranho, e isso lhe permita, através da consciência crítica, perceber que pode ser agente de intervenção e mudança.

A distanciação é assim o cerne de um teatro didáctico. Ela tem lugar a vários níveis: 

fábula; 
personagens;
cenário;
gestus;
iluminação; 
som.

  
Fábula-  a peça deve abordar um tema histórico que funcione como metáfora. A adaptação de um tema metafórico é um dos processos usados para provocar a distanciação.
A realidade representada funciona como metáfora da realidade política em Portugal ao tempo da escrita da peça. 
A escolha de um exemplo real da nossa História, serve de exemplo, para reflexão, e, simultaneamente, contribui para a transformação da realidade contestada. 

Personagens- no seu processo de atuar em palco, devem distanciar-se do que representam, permitindo ao espectador perceber que estão ao serviço de uma ideia, de uma denúncia. Elas procedem de modo a não contribuir para que o espectador as confunda com o que representam: a personagem deve ser entendida como porta-voz de uma consciência, cabendo-lhe fazer com que o público não se identifique consigo, antes compreenda que ela mais não é que uma persona, uma máscara, um processo de denúncia. 

A trilogia do poder, Principal Sousa, D. Miguel e Beresford, é um conjunto de personagens que atua de modo a que o espectador consiga desmontar as engrenagens de interligação entre os poderes religioso, político e militar.


 Cenário- muito pouco caracterizado, apenas são referenciados alguns elementos que nos remetem para determinados espaços sociais.
    As três cadeiras "pesadas e ricas com aparência de trono" ilustram as três faces do poder. O "caixote" no qual se senta uma "velha"  caracteriza os oprimidos.

Gestus- Promove a distanciação na medida em que abarca um conjunto de atitudes que aponta para a relação do indivíduo com o mundo que o rodeia, podendo servir para indicar um posicionamento de classe.
O 1.º Popular ora macaqueia os modos de um fidalgo, ora "desfaz o gesto com violência" para denunciar que ali ninguém tem relógio, compreendendo-se que assim é porque as condições socio-económicas não o permitem. 

 Iluminação- contribui para o efeito de distanciação  através do contraste luz/sombra, pretendendo, deste modo, que o espectador compreenda os diferentes momentos cénicos; revela as personagens em cena sublinhando-lhes as ações e as palavras; distingue espaços; destaca elementos cénicos; evidencia a carga semântica e metafórica da luz e da sombra.
  
"Surge, a meio do palco, intensamente iluminada (...) Matilde de Meio" (p. 83). 
Ausência da luz 
"Apagam-se todas as luzes. As personagens ficam na penumbra agitando os braços e erguendo bandeiras no ar" (p. 74). 

Som- A música, o som de fundo, o ruído dos tambores contribuem para a distanciação porque apresentam uma função intimidatória: medo; repressão.

"Começa a ouvir-se, ao longe, o ruído dos tambores" (p. 17). 
"Ouve-se ao longe uma fanfarra que vai num crescendo de intensidade até cair o pano" (p. 140).   













segunda-feira, 4 de abril de 2016

Teatro épico versus teatro dramático


Forma dramática de teatro                                      Forma épica de teatro



O palco corporifica uma ação                                         O palco relata a ação

Compromete o espectador na ação
e consome sua atividade
                                                                           Transforma o espectador em observador
                                                                                       e desperta sua atividade

Possibilita sentimentos                                             Obriga o espectador a tomar decisões

Proporciona emoções, vivências                                Proporciona conhecimentos

O espectador é transportado para dentro da ação        O espectador é contraposta a ela

Trabalha-se com a sugestão                                         Trabalha-se com argumentos

Conservam-se  as sensações                                    As sensações levam a uma tomada de                                                                                                                                       consciência

O homem  apresenta-se como algo conhecido previamente    O homem é objeto de investigação


O homem é imutável                                                 O homem transforma-se  e transforma



A tensão em relação ao desenlace da peça                         A tensão em relação ao andamento

Uma cena existe em função da seguinte                                 Cada cena existe por si mesma

Os acontecimentos decorrem linearmente                          Decorrem em curvas

O mundo tal como é                                                        O mundo tal como se transforma

O homem como deve ser                                                         O que é imperativo que ele faça

O pensamento determina o ser                                         O ser social determina o pensamento

Sentimento                                                                          Razão

quarta-feira, 2 de março de 2016

Canto VII- Espírito de Cruzada

3
Vós, Portugueses, poucos quanto fortes,
Que o fraco poder vosso não pesais;
Vós, que, à custa de vossas várias mortes,
A lei da vida eterna dilatais:
Assi do Céu deitadas são as sortes
Que vós, por muito poucos que sejais,
Muito façais na santa Cristandade.
Que tanto, ó Cristo, exaltas a humildade!

4
Vede'los Alemães, soberbo gado,
Que por tão largos campos se apacenta;
Do sucessor de Pedro rebelado,
Novo pastor e nova seita inventa;
Vede'lo em feias guerras ocupado,
Que inda co cego error se não contenta,
Não contra o superbíssimo Otomano,
Mas por sair do jugo soberano.
5
Vede'lo duro Inglês, que se nomeia
Rei da velha e santíssima Cidade,
Que o torpe Ismaelita senhoreia
(Quem viu honra tão longe da verdade?),
Entre as Boreais neves se recreia,
Nova maneira faz de Cristandade:
Pera os de Cristo tem a espada nua,
Não por tomar a terra que era sua.

6
Guarda-lhe, por entanto, um falso Rei
A cidade Hierosólima terreste,
Enquanto ele não guarda a santa Lei
Da cidade Hierosólima celeste.
Pois de ti, Galo indino, que direi?
Que o nome «Cristianíssimo» quiseste,
Não pera defendê-lo nem guardá-lo,
Mas pera ser contra ele e derribá-lo![...]

8
Pois que direi daqueles que em delícias,
Que o vil ócio no mundo traz consigo,
Gastam as vidas, logram as divícias,
Esquecidos do seu valor antigo?
Nascem da tirania inimicícias,
Que o povo forte tem, de si inimigo.
Contigo, Itália, falo, já sumersa
Em vícios mil, e de ti mesma adversa.[...]

13
Gregos, Traces, Arménios, Georgianos,
Bradando vos estão que o povo bruto
Lhe obriga os caros filhos aos profanos
Preceptos do Alcorão (duro tributo!).
Em castigar os feitos inumanos
Vos gloriai de peito forte e astuto,
E não queirais louvores arrogantes
De serdes contra os vossos mui possantes.

14
Mas, entanto que cegos e sedentos
Andais de vosso sangue, ó gente insana,
Não faltarão Cristãos atrevimentos
Nesta pequena casa Lusitana:
De África tem marítimos assentos;
É na Ásia mais que todas soberana;
Na quarta parte nova os campos ara;
E, se mais mundo houvera, lá chegara.

Percorrido tão longo e difícil caminho, é momento para que, na chegada a Calecut (est. 3-7), o poeta faça novo louvor aos portugueses. Exalta então o seu espírito de cruzada, a incansável divulgação da fé, por África, Ásia, América, "E, se mais mundos houvera, lá chegara", assim inserindo a viagem à Índia na missão transcendente que assumiram, e que é marca da sua identidade nacional.

Por oposição, critica duramente as outras nações europeias - os "Alemães, soberbo gado", o "duro inglês, o "Galo indigno", os italianos que, "em delícias, / Que o vil ócio no mundo traz consigo, / Gastam as vidas" - por não seguirem o seu exemplo, no combate aos infiéis...

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016


Diversas simbologias associadas ao nº 3:
• Representação da totalidade através da união DEUS/UNIVERSO/HOMEM;
• Ligação à figura de Cristo e à espiritualidade (PAI/FILHO/ESPÍRITO SANTO);
• Fases da existência NASCIMENTO/CRESCIMENTO/MORTE, que aliás estão cada uma respetivamente associada à simbologia das três partes da  Mensagem  BRASÃO/MAR PORTUGUÊS/ENCOBERTO (estrutura tripartida).

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Poemas musicados da Mensagem


MENSAGEM-ESTRUTURA

O primeiro e único livro em português que Fernando Pessoa publicou em vida foi MENSAGEM (1934), um “livro de versos nacionalistas”, composto ao longo de cerca de duas décadas, que o poeta estruturou em três partes, correspondentes a etapas da evolução do Império Português - nascimento (os construtores do Império), realização (o sonho marítimo e a obra das descobertas) e morte (a imagem do Império moribundo, com a fé da ressurreição do espírito lusíada do império espiritual, moral e civilizacional.).



I) A primeira parte - Brasão - começa pela localização de Portugal na Europa e em relação ao mundo, afirmando o valor simbólico do seu papel na civilização ocidental quando afirma "O rosto com que fita é Portugal!"... Depois define o mito como um nada capaz de gerar os impulsos necessários à construção da realidade (o Sebastianismo é o mito que se manifesta nos momentos de crise nacional).

Passa a apresentar Portugal como um povo heróico e guerreiro, predestinado a construir o império marítimo. Refere mitos e figuras históricas de Portugal (de Viriato até D. Sebastião). Transmite a imagem de um Portugal erguido à custa do esforço abnegado de muitos heróis, que frequentemente não agiram por interesse próprio, mas motivados por forças maiores, quase que predestinados a grandes feitos: o nascimento. Contém, entre outros, os poemas “O dos Castelos”, “Ulisses” (“O mito é o nada que é tudo”), “D. Dinis”, “D. Sebastião, rei de Portugal”.

«Para Pessoa, Portugal é o rosto da Europa, aquele que “fita” o mar ocidental, seu destino, seu futuro (e futura glória e dor).»



II) A segunda parte - Mar Português - inicia-se com o poema Infante, onde o poeta mostra que o sonho tem como causa primeira a vontade de Deus, o Homem como agente intermediário e a obra como efeito. Nos outros poemas refere personalidades e factos dos Descobrimentos portugueses, encarados na perspetiva da missão que competia a Portugal cumprir. Destaca-se a projeção universal que este empreendimento implicou, bem como  os esforços sobre-humanos, a grandeza de alma, necessários à luta contra os elementos naturais, hostis e desconhecidos: a realização. Contém, entre outros, os poemas “O Infante”, “O Mostrengo”, “Mar Português”, “Prece”.



III) A terceira parte - Encoberto - evoca um Portugal mais recente, envolto em tristeza, trevas e perda de identidade (a morte) mas crê que nele ainda esteja latente a essência do “ser português”; assim, mostra esperança no “regresso” do rei Encoberto que virá regenerar o País, pois “ é a hora” de : construir o Quinto Império. Contém, entre outros, os poemas “D. Sebastião”, “O Quinto Império”, “António Vieira”, “Nevoeiro”.
Quadro comparativo entre Os Lusíadas e Mensagem


Semelhanças



·         Poemas sobre Portugal.
·         Concepção da História Portuguesa enquanto demanda mística.
·         D. Sebastião, ser eleito, enviado por Deus ao mundo, para difundir a Fé de Cristo.
·         Os heróis concretizam a vontade divina.
·         Conceito abstrato de Pátria.
·         Apresentação dos heróis da História de forma fragmentária.
·         Exaltação épica da acção humana no domínio dos mares.
·         Superação dos limites humanos pelos heróis portugueses.
·         Superioridade dos navegadores lusos sobre os nautas da Antiguidade.
·         Glória marcada pelo sofrimento e lágrimas.
·         Sacrifício voluntário em nome de uma causa patriótica.
·         Estrutura rigorosamente arquitetada.
·         Evocação do passado (memória) para projectar, idealizar o futuro (apelo, incentivo).



  Diferenças

  • Os elementos estruturantes das obras (forma e conteúdo) são marcados pela diferença de quatro séculos que separam os autores.


   
Os Lusíadas                                                                            Mensagem


Dinamismo: a viagem, a aventura, o perigo.                    Estatismo: o sonho, o indefinido.


A ação, a inteligência, o concreto,
o conhecimento do Império no apogeu e
 na decadência, a possibilidade de ter esperança.


                                                                                 O abstrato, a sensibilidade, a utopia, a falta                                                                                    de razões para ter esperança, o sebastianismo



O poeta dirige-se a D. Sebastião, que era uma
realidade viva, e invectiva o rei a realizar novos
 feitos que dêem matéria a uma nova epopeia.


                                                                           D. Sebastião é uma entidade que vive na                                                                                       memória saudosa do poeta, uma sombra, um mito.



A memória e a esperança situam-se no mesmo plano.



                                                                                 A esperança é utopia, só existe no sonho.


Conceção de heroísmo: concretização de
 feitos épicos pelos humanos.



                                                              Conceção de heroísmo: de carácter mental, conceptual.
                                                              Os heróis são símbolos de um olhar visionário, as                                                                                   figuras são espectros, resultado do trabalho do                                                                                         pensamento.




Amor à Pátria: enaltecimento e imortalização
 da História de Portugal e dos heróis portugueses,
 através de um poema épico, trabalho árduo e longo.



                                                                              Amor à Pátria: atitude metafísica,                                                                                                             procura incessante do que não existe.                                                                                                          Expressão de fé no Quinto Império.



Linguagem épica, estilo grandiloquente.


                                                                                          Linguagem épico-lírica, estilo lapidar.




Epopeia clássica pela forma e pelo conteúdo.
Narração da viagem de Vasco da Gama, da luta dos deuses,
da História de Portugal em alternâncias,
 discurso encaixado, analepses e prolepses.




                                                                            Mega-poema constituído por quarenta                                                                                                     e quatro poemas breves, agrupados em                                                                                                três partes principais (1ª, 2ª, 3ª, sendo a 1ª                                                                                                  e a 3ª subdivididas).
                                                                       De carácter ocultista, a sua natureza é de índole                                                                                               interpretativa, com reduzida narração.



Assunto: os Portugueses e os feitos concretos cumpridos.
O poeta canta a saga lusa na conquista dos mares.




                                                 Assunto: a essência da Pátria e a missão que esta deverá cumprir.



Os heróis agem norteados pela Fé de Cristo,
dando a conhecer novos mundos ao mundo.
A missão de Vasco da Gama foi coroada de êxito,
 dela derivou o Império Português do Oriente.



                                                                  Os heróis, numa atitude contemplativa e                                                                                                  enigmática, buscam o infinito: a Índia                                                                                                      tecida de sonhos.A missão terrena de                                                                                                        Portugal foi cumprida por vontade divina;                                                                                        outra, de índole ocultista, aventura espiritual e                                                    cultural, está ainda por cumprir, a hegemonia do Quinto Império.




Epopeia de dimensão humanista-renascentista:
acesso ao conhecimento dos segredos da Natureza
pelo Homem.



                                                                       Poema épico-lírico-simbólico-mítico, projecto de                                                                                        ideal de fraternidade universal: utopia.
                                                                         Elogio da loucura, do sonho; evasão do real,                                                                                                  valorização do imaginário.









O Conde D. Henrique



Todo começo é involuntario.
Deus é o agente.
O herói a si assiste, vário
E inconsciente.

À espada em tuas mãos achada
Teu olhar desce.
«Que farei eu com esta espada?»

Ergueste-a, e fez-se.




 Conde D. Henrique, contribuiu para a fundação de Portugal, para a criação da nossa nacionalidade, foi o fundador do Condado Portucalense.
Apesar de o poema possuir este título, pouco está ele relacionado diretamente com a personagem. O texto ultrapassa mesmo a figura de Conde D. Henrique através de afirmações altamente simbólicas.


Na 1ª estrofe, o herói (Conde D. Henrique) atua como agente de Deus, comandado por uma força que o transcende, uma força que o faz agir inconscientemente.
Dá-se portanto início a um percurso espiritual. O que este percurso pretende atingir, é a ideia de que mais importante do que a terra (matéria), é o espírito, os valores sobre os quais ele (herói) vai criar as suas raízes.
Resumidamente, nesta 1ª estrofe o herói imóvel assiste ao desenrolar involuntário de alguma acção.

A espada, símbolo de guerra, de morte. Aqui a espada funciona paradoxalmente. Não é de guerra verdadeira que fala o poeta, é de guerra à ignorância. Poderá ainda ser interpretada como símbolo de  fecundação dos campos, a criação de vida.
Nesta 2ª estrofe, o herói desce o olhar na espada e faz aquela interrogação retórica «Que farei eu com esta espada?»:
Conclui-se então o poema com a finalização do acto, a concretização de algo por parte do herói, o nascimento de Portugal.

D. Afonso Henriques

Pai, foste cavaleiro.
Hoje a vigília é nossa.
Dá-nos o exemplo inteiro
E a tua inteira força!

Dá, contra a hora em que, errada,
Novos infiéis vençam,
A bênção como espada,
A espada como benção!


O sujeito poético dirige-se ao rei D. Afonso Henriques, "Pai" (da nacionalidade) - apóstrofe - dizendo-lhe que foi cavaleiro, que lutou pela nacionalidade portuguesa e  que "hoje a vigília é nossa", é a nossa vez de prosseguirmos a luta para um destino maior, por isso, o sujeito lírico pede ao rei que nos dê a sua "inteira força", o seu "exemplo inteiro".

Atente-se no vocabulário de dimensão sagrada: “vigília”, “infiéis”, “bênção”.

Os "novos infiéis" são as pessoas que criavam obstáculos ao destino glorioso  sonhado  para Portugal.

Neste poema, o “Eu”, o povo português roga ao seu salvador, ao primeiro Rei de Portugal que ele seja tomado como o exemplo a seguir, que lhes dê a força e a bênção que recebeu de Deus e da sua vontade divina para enfrentarem os mouros. Tal como os mouros foram o obstáculo de D. Afonso Henriques na expansão territorial e na expansão da fé cristã, também para os portugueses, ”os novos infiéis”, serão uma atualização desse mesmo obstáculo.







segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

A heteronímia

Sou a cena viva onde passam vários atores representando várias peças.


As figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais.


Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir - é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida.


Ter opiniões é estar vendido a si mesmo. Não ter opiniões é existir. Ter todas as opiniões é ser poeta.


Fingir é conhecer-se.


Para que surja o heterónimo é preciso uma extrema despersonalização, criando uma personagem que por sua vez cria personagens. Essa personagem criadora possui estilo próprio e sentimentos diferentes, às vezes até opostos aos da “pessoa viva”.
Fernando Pessoa refletia sobre o processo de criação literária, os artifícios da arte.

Mensagem-Prémio Antero de Quental

O Prémio Antero de Quental foi um prémio criado em novembro de 1933 (mas atribuído pela primeira vez em 1934) pelo Secretariado da Propaganda Nacional, órgão de propaganda do Estado Novo dirigido por António Ferro. O prémio destinava-se a premiar poesia de inspiração portuguesa e, mesmo, de preferência, um alto sentido de exaltação nacionalista. O júri do Prémio era constituído por um poeta de grande nome nacional, um poeta da nova geração literária e dois críticos literários em exercício na imprensa de Lisboa. O prémio foi atribuído até 1973.
A primeira atribuição do prémio ficou marcada por um incidente envolvendo a obra Mensagem de Fernando Pessoa, que, contra a vontade de António Ferro, foi relegada para a "segunda categoria" (poema de poesia solta), alegando-se que tinha menos de 100 páginas, sendo o prémio de "primeira categoria" atribuído à obra A Romaria, da autoria de Manuel Joaquim Reis Ventura (1910-1988), que naquela época assinava como Vasco Reis. António Ferro resolveu então elevar o prémio atribuído à segunda categoria, que era de mil escudos, para um valor igual ao da primeira, de cinco mil escudos. A partir de 1935, o Prémio Antero de Quental deixou de incluir a referida segunda categoria.


 O primeiro título do livro não era Mensagem, mas sim "Portugal". É por sugestão de um amigo  que Pessoa reconsidera, mudando o nome. Esse amigo ter-lhe-á indicado a evidência do nome "Portugal" estar já nessa altura demasiado vulgarizado, inclusivé em marcas comerciais.

  Curiosamente - ou talvez propositadamente - Mensagem é uma palavra com o mesmo número de letras de "Portugal". Mas uma folha no espólio explica o processo porque passou a génese deste título, que foi muito bem pensado pelo seu autor. São os seguintes significados os encontrados nessa folha: - Portugal e Mensagem têm 8 letras. O oito é um número de harmonia, mas também um número ligado aos templários, mais precisamente à cruz Templária que tem 8 pontas. É a mesma cruz que depois vai nas caravelas, já cruz da Ordem de Cristo, seguimento natural dos Templários depois da extinção destes por ordem Papal. Assim, Pessoa num primeiro sentido diz-nos que a Mensagem é "Portugal" e que "Portugal" é a realização da missão da Ordem de Cristo e - por descendência - da Ordem do Templo. Mensagem é ainda dividida por Pessoa em 3 partes: MENS/AG(ITAT MOL)EM. "Mens Agitat Molem" é uma citação tirada de Virgílio na Eneida, que significa que a mente move a matéria. O objetivo da Mensagem seria mover as moles humanas, através da poesia.